Representantes de conselhos de profissões regulamentadas repudiaram nesta terça-feira (5) a proposta de emenda à Constituição (PEC) 108/19, elaborada pelo Ministério da Economia, que autoriza a atuação de profissionais sem a necessidade de registro nos respectivos conselhos, desde que a atividade desenvolvida não implique “risco de dano concreto à vida, à saúde, à segurança ou à ordem social".
O texto também define os conselhos profissionais como pessoas jurídicas de direito privado, que atuam em colaboração com o Estado. Atualmente, o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) é que essas entidades têm natureza autárquica.
O presidente do Conselho Federal de Corretores de Imóveis, João Teodoro da Silva, criticou a transformação dos conselhos em entidades de natureza privada. Para Silva, a mudança pode comprometer o poder de polícia que permite a essas entidades fiscalizar e punir maus profissionais. “Quando no exercício de suas funções institucionais, os conselhos são o próprio Estado”, disse Silva, que participou do debate sobre a PEC na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados.
Assessor jurídico do Conselho Federal de Medicina, Francisco Souza também defendeu a manutenção dos conselhos como entidades de direito público. “O poder de polícia é indelegável ao particular. Não há como dissociar a natureza jurídica pública dos conselhos.” Bruno Fernandes, do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, destacou que as entidades defendem a profissão, e não os profissionais. “Não é corporativismo. É muito diferente. A gente não faz carinho no profissional. Por isso, não é sindicato. É interesse público.”
Visão do governo
Representando o Ministério da Economia, a secretária-adjunta de gestão, Elise Gonçalves, rebateu as críticas dizendo que o objetivo é esclarecer, uniformizar e pacificar o entendimento da natureza jurídica dessas entidades, que atuam fora da estrutura do Estado. “Nós estamos mantendo a proteção da sociedade contra tudo aquilo que é risco à saúde, à ordem social, à segurança, à vida. O fato de a gente dizer que é de direito privado não muda isso; pelo contrário, estará gravado no texto constitucional”, sustentou.
Natureza jurídica
O debate foi proposto pelos deputados Édio Lopes (PL-RR), que é o relator da PEC, Gilson Marques (Novo-SC), Léo Moraes (Pode-RO), Alencar Santana Braga (PT-SP), Maria do Rosário (PT-RS), Erika Kokay (PT-DF) e Enrico Misasi (PV-SP).
Lopes pontuou que a definição da natureza jurídica dos conselhos deverá ser a questão central dos debates na CCJ. “Autarquia ou privado. Eis aí o eixo central que nos guiará nessa discussão, porque todos somos testemunhas de que há momentos em que os conselhos se agigantam como autarquia, mas, às vezes, quando o assunto lhes é favorável, também reivindicam para si as mesmas prerrogativas do [setor] privado”, declarou o relator.
Ele adiantou que a Câmara não permitirá nenhuma alteração que seja contra os conselhos, porém ressaltou que o relatório trará aperfeiçoamentos. “Nenhuma instituição no estado democrático de Direito pode ter poderes ilimitados. E nós sabemos que aqui e acolá, este e aquele conselho, extravasam os limites de suas competências e do bom senso.”
Os deputados Rogério Correia (PT-MG) e Odair Cunha (PT-MG) defenderam a natureza autárquica dos conselhos profissionais. “O acidente [desmoronamento] do prédio em Fortaleza demonstra a necessidade de uma maior presença do Estado e não menor”, argumentou Cunha, ao concordar com a sugestão de Correia para que o ministro Paulo Guedes seja convidado a explicar a PEC 108/19. “Ao dar natureza privada aos conselhos, estamos dizendo que o privado há de prevalecer sobre o interesse coletivo”, acrescentou.
Para o presidente da Comissão Nacional de Legislação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ticiano de Oliveira, a PEC compromete atuação dos conselhos ao prever o fim da inscrição obrigatória de profissionais nas respectivas entidades de classe. “Atividades essenciais podem ficar carentes de fiscalização”, apontou. Segundo Oliveira, 3 milhões de advogados recém-formados são reprovados em cada exame da OAB. “Isso geraria uma receita [com novas anuidades] de R$ 1 bilhão à Ordem, mas esse não é o principal interesse da entidade”, finalizou.