Notícia: Farmacêutico, você sabe receber mercadoria termolábil?

Publicado em 25 de jun. de 2019

Farmacêutico, você sabe receber mercadoria termolábil?


Farmacêutico, você sabe receber mercadoria termolábil?

Medição de Temperatura no Recebimento de Produtos Termolábeis

Por Neville M. B. Fusco, Me. Eng ACC PR, Engenharia de Medição

 

Introdução

A grandeza temperatura é fundamental na garantia da qualidade de produtos termolábeis utilizados na área da saúde. A ANVISA destaca, em seu Guia Nº2 - Guia para a qualificação dos produtos biológicos, que cada vez mais são fabricados produtos que dependem da temperatura para manter suas propriedades terapêuticas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a temperatura de armazenamentos de vacinas como um dos critérios de pontuação na avaliação da efetividade dos programas de vacinação no mundo. A excursão de temperatura das vacinas pode afetar a potência e a eficácia do produto. A medição e o monitoramento da temperatura ocorrem em todo o ciclo de vida de produtos termolábeis, da fabricação à entrega ao usuário final. É possível identificar a necessidade de uso de instrumentos de medição de temperatura em diversos pontos da cadeia logística desses produtos termolábeis, como por exemplo no recebimento de um produto na faixa de temperatura de (2 a 8)ºC. Esses produtos geralmente, são transportados em caixas devidamente qualificadas (sistemas passivos) com o objetivo de evidenciar a capacidade de manter a temperatura na faixa desejada por um intervalo de tempo conhecido. A temperatura de recebimento é medida e o produto é aceito somente se a temperatura estiver dentro da faixa definida.

A medição de temperatura

 

 

A medição de temperatura pode ser dívida em dois métodos: o método com contato e o método sem contato. Um exemplo da medição com contato são os chamados termômetros digitais e/ou os dataloggers. Na medição sem contato temos como exemplo os termômetros infravermelhos (IR). A medição por contato, geralmente, é mais lenta que a medição sem contato, mas apresenta níveis de incerteza melhores e métodos de medição mais simples. A figura 1 apresenta alguns modelos de termômetros e dataloggers de diferentes fabricantes.

Os métodos e instrumentos de medição de temperatura variam em diferentes aspectos, tais como: precisão, facilidade de uso, custo de aquisição, tempo de resposta, resolução, faixa de medição, etc. A qualidade do resultado da medição da temperatura está diretamente conectada com a seleção do instrumento adequado e da definição do método de medição.

A seleção do método e do instrumento de medição adequados são etapas fundamentais para minimizar impactos e riscos associados aos resultados de medição. Por exemplo, a OMS recomenda o uso de medidores de temperatura com precisão de ± 0,5 ºC. A precisão do instrumento é apenas um dos critérios para a seleção do método de medição e do instrumento de medição adequado.

A temperatura e o recebimento de termolábeis

É muito comum verificarmos o uso de termômetros IR (Infrared) no recebimento de termolábeis para o aceite ou não desses produtos. O termômetro IR possibilita uma medição da temperatura de forma rápida e prática, mas rapidez e praticidade não garantem a qualidade dessa medição ou a confiabilidade desse resultado.

A medição de temperatura sem contato utilizando termômetros IR apesar de parecer simples requer conhecimento técnico dos princípios de medição, do método de medição e do objeto que está sendo medido. O uso inadequado desse tipo de termômetro afeta diretamente o valor medido da temperatura, podendo apresentar um valor muito diferente da temperatura real.

Fatores como distância entre o termômetro e o objeto, tamanho do objeto que está sendo medido ou até mesmo a presença de gelo ou camadas refletivas no objeto já podem gerar resultados duvidosos.

Princípio de medição dos termômetros IR

 

 

Os termômetros IR são baseados no princípio de emissão de luz infravermelha pelo objeto que se deseja medir. Todo objeto emite radiação infravermelha e sua capacidade de emitir essa radiação é conhecida como a emissividade do objeto.

O valor da emissividade e a emissão de luz infravermelha dependem de diferentes fatores: o material que o objeto é feito, a cor e a temperatura. Na figura 2 podemos ver duas latas iguais que foram preenchidas com água quente na mesma temperatura. A lata da direita está revestida com um filme plástico que afeta a emissividade do material e consequentemente o valor medido da temperatura.

O desconhecimento do princípio de medição e dos critérios técnicos para que a medição seja confiável levariam à possíveis conclusões erradas sobre o valor medido da temperatura. Esse erro durante o recebimento de materiais termolábeis pode significar um prejuízo de milhares de reais, além de impactar na distribuição e qualidade dos produtos para o usuário final, ou seja, um impacto financeiro e social devido a uma medição errada.

Precisão do instrumento e tolerância do processo

 

 

Um ponto muito relevante na seleção de um instrumento de medição é o seu uso pretendido, ou seja, o processo no qual esse instrumento será utilizado. Por exemplo, no caso de produtos termolábeis é muito comum o transporte na faixa de temperatura de (2 a 8)ºC. Essa faixa de temperatura é mundialmente conhecida e define um faixa de tolerância de 6ºC, obtida pela subtração entre o limite superior e o limite inferior da temperatura.

Uma das principais recomendações metrológicas é que o instrumento de medição tenha declarado pelo fabricante uma precisão de 1/10 da tolerância do processo. No caso da faixa de (2 a 8)ºC e considerando a recomendação da relação de 1/10 temos que a precisão recomendada é de 6/10 = 0,6ºC.

Devido à dificuldade técnica e do princípio de medição por IR é muito difícil este tipo de termômetro conseguir atingir a precisão de 0,6ºC. A figura 3 apresenta uma descrição técnica de um modelo de termômetro IR muito comum no uso da medição da temperatura no recebimento de produtos termolábeis.

Um exemplo do risco devido ao problema na medição pode ser observado na seguinte situação: um termômetro IR utilizado no recebimento do material apresenta uma medida de 2,6ºC, seu fabricante declara uma precisão de 1,5ºC, o que significa que a medição tem um risco de 34% da medida estar abaixo do valor de 2ºC.

O estudo do NIST e o critério da OMS

A OMS (Organização Mundial da Saúde) apresenta uma recomendação de critério para o uso de instrumentos de medição de temperatura no transporte e armazenamento de produtos termolábeis. De acordo com esta recomendação o medidor de temperatura deve ter um erro máximo aceitável de ± 0,5ºC. Esse critério está em conformidade com as boas práticas metrológicas para a adequação do instrumento de medição ao seu uso pretendido.

Com base no critério recomendado pela OMS, o NIST (National Institute of Standards and Technology) em parceria o CDC (Centers for Disease Control and Prevention) realizou um estudo técnico para avaliar o uso de termômetros IR no armazenamento e transporte de produtos termolábeis na temperatura de (2 a 8)ºC. O estudo “Assessing the Use of Infrared Thermometers for Vaccine Temperature Determination” foi realizado com 4 termômetros IR de diferentes marcas e modelos, com preços variando de US$50 a US$500. Após diferentes tipos de ensaios e medições com os termômetros IR, este estudo chegou à conclusão que o termômetro IR não possui precisão, repetitividade ou confiabilidade para realizar as medições no armazenamento e transporte de produtos termolábeis na temperatura de (2 a 8)ºC.

Melhorando a medição de temperaturas dos produtos termolábeis

 

 

Uma das dificuldades no processo de medição de temperatura em produtos termolábeis é a necessidade de realizar a medição de forma rápida, devido ao volume de produtos e o tempo para transporte.

Os termômetros IR conseguem resolver o problema do tempo da medição, mas não possuem as características metrológica para garantir a confiabilidade da medição. O uso de termômetros de contato com resposta rápida pode atender ao critério de tempo e ao critério de qualidade da medição.

Sensores de temperatura sem o encapsulamento metálico apresentam um tempo de resposta muito menor. Em conjunto com medidores de temperatura devidamente especificados podem fornecer uma medição confiável em até 30 segundos e com uma precisão de ± 0,3ºC. A figura 4 apresenta um modelo de termômetro digital com sensor termopar tipo T (sem encapsulamento) e precisão de ± 0,3ºC pelo fabricante. Testes realizados em laboratório para avaliar a resposta ao variar a temperatura de 25ºC para 4ºC apresentaram um tempo de resposta de aproximadamente 20 segundos.

Conclusões

A medição de temperatura é vital no transporte e armazenamento de produtos termolábeis. O uso de métodos e instrumentos de medição adequados ao processo permite obter resultados confiáveis.

A facilidade de uso e a velocidade da medição com o uso do termômetro IR não garante a confiabilidade das medições. A seleção de instrumentos de medição deve ser realizada com base em critérios metrológicos considerando a precisão necessária e o risco envolvido.

A medição de temperatura por contato, através de indicadores de temperatura com sensores sem encapsulamento (melhor tempo de resposta) apresentam resultados mais confiáveis, precisos e repetitivos.

Garantir a qualidade da medição antes de reprovar ou aprovar o recebimento de produtos termolábeis devido a problemas na temperatura é fundamental para evitar prejuízos financeiros, problemas com clientes ou fornecedores e impactos para usuários finais.

Referências
[1] Effective Vaccine Management (EVM): Global Data Analysis 2009-2016 - setting a standard for the vaccine supply chain. World Health Organization (WHO). 2017.
[2] Introduction to Temperature Measurement. Good Practice Guide Nº 125. National Physical Laboratory. Department for Business Innovation & Skills. United Kingdom. 2016.
[5] The Definition of Measurement Process and its Importance in Metrology. Revista Internacional de Investigación e Innovación Tecnológica. Año. 4, No. 21. Julio – Agosto 2016
[6] Guia para a qualificação de transporte de produtos biológicos. GUIA Nº 02/2017 - Versão 02. ANVISA. 2017.
[7] Model guidance for the storage and transport of time- and temperature–sensitive pharmaceutical products. Annex 9. WHO Technical Report Series, Nº 961. 2011.
[8] MANUAL DE REDE DE FRIO do Programa Nacional de Imunizações. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. 5 º Edição. 2017.
[9] Assessing the Use of Infrared Thermometers for Vaccine Temperature Determination. Thermodynamic Metrology Group, Sensor Science Division, Physical Measurement Laboratory (PML). National Institute of Standards and Technology. 2009. (https://www.nist.gov/pml/sensor-science/thermodynamic-metrology/storage-and-monitoring-vaccines)

 

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Fonte: Assessoria de Comunicação / CRF-PR

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