Desde 2014, algumas farmácias no Brasil passaram a ter um espaço destinado ao atendimento personalizado do paciente pelo farmacêutico. Nos chamados consultórios farmacêuticos, o profissional pode avaliar o conjunto dos remédios que o paciente está tomando quanto a possíveis interações, orientar sobre a melhor forma de tomar a medicação, ouvir o paciente sobre sua evolução clínica, fazer contato com o médico ou outros profissionais da saúde que acompanham o paciente para discutir o tratamento e indicar medicamentos isentos de prescrição médica.
O conceito de consultório farmacêutico foi definido em duas portarias do Conselho Federal de Farmácia (CFF) publicadas em 2013 e a existência desse espaço é também apoiada pela Lei 13.021, de agosto de 2014, que dispõe sobre o exercício das atividades farmacêuticas. Segundo dados preliminares do Censo Demográfico Farmacêutico feito pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), já existem 1.453 consultórios farmacêuticos em todo o país.
De acordo com a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), só as redes associadas têm, juntas, quase 600 salas de assistência farmacêutica em 26 estados do país. Ainda é um percentual pequeno diante das quase 80 mil farmácias comerciais que existem no Brasil. Segundo um levantamento feito pelo CFF sobre o perfil do farmacêutico no Brasil, publicado em 2015, 60,3% dos profissionais afirmaram que não dispõem de área reservada para atendimento individualizado dos pacientes nos estabelecimentos em que trabalham.
Mas, para o farmacêutico Tarcísio Palhano, assessor da presidência do CFF e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a tendência é cada vez mais farmácias aderirem ao serviço, inclusive as grandes redes. “É um espaço onde o farmacêutico pode atender as pessoas preservando a individualidade da consulta, o que não seria possível em um local onde transitam outras pessoas e se dispensam medicamentos, como no balcão”, diz Palhano.
Que atendimentos podem ser feitos nos consultórios farmacêuticos?- Orientação do paciente sobre como usar medicamentos prescritos
- Avaliação do conjunto de medicamentos usados pelo paciente quanto a dosagem, horário de consumo e possíveis interações
- Comunicação com outros profissionais da saúde que atendam o paciente para emitir parecer farmacêutico e discutir tratamentos de forma integrada
- Encaminhamento de paciente a profissionais de saúde
- Conversa com paciente sobre sintomas e evolução da doença
- Caso necessário, pedido de exames laboratoriais e realização de medidas como as de pressão e temperatura
- Registro de ações em prontuário do paciente
- Prescrição de medicamentos que sejam isentos de prescrição médica
Que atendimentos NÃO podem ser feitos nos consultórios farmacêuticos?
- Receita de medicamentos que exigem prescrição médica
- Mudança de remédios indicados por médico
- Procedimentos de execução exclusiva por médicos
Como funciona o atendimento?O farmacêutico Ronaldo Ribeiro está à frente de uma drogaria que possui um desses espaços para atendimento clínico na Mooca, em São Paulo. Ele conta que o atendimento no consultório farmacêutico pode começar de duas formas: em algumas situações, o próprio paciente procura o farmacêutico com queixas de saúde ou dúvidas sobre seu tratamento; em outras, o farmacêutico detecta uma situação atípica durante o atendimento no balcão e convida o paciente para uma consulta.
Não precisa marcar hora e o atendimento não é cobrado. O farmacêutico cadastra os dados do paciente em um tipo de prontuário e, se necessário, marca um retorno. Durante a consulta, ele pode fazer medidas como a de pressão, temperatura e glicose. Caso considere necessário, pode encaminhar o paciente para outro profissional de saúde.
A Clinifar, onde Ribeiro atua, foca na atenção a idosos, público preponderante no bairro. Uma das situações mais comuns com que se depara é a chamada polifarmácia. “Tem idoso que usa 10 ou mais medicamentos ao dia. Às vezes, passa por três especialistas e um não sabe o que o outro prescreveu. Peço para ele trazer os receituários, faço uma avaliação farmacoterapêutica e entrego um relatório. Ele leva ao médico que pode, a partir disso, reavaliar a medicação”, conta Ribeiro.
Foi o caso de uma paciente que chegou à farmácia reclamando de dor para urinar. A consulta revelou que ela estava tomando dois anti-inflamatórios com a mesma função, receitados por dois médicos diferentes, para tratar uma dor na coluna. A combinação era tóxica para os rins. Ribeiro pediu que ela suspendesse o uso de um dos remédios e voltasse ao médico para reavaliar o tratamento. Para o farmacêutico, esse tipo de intervenção rápida faz diferença na vida dos pacientes.
Orientação para tomar remédioOutra situação recorrente é quando os pacientes têm de tomar medicamentos prescritos pelo médico, mas não sabem o horário correto e a quantidade que devem tomar.
A farmacêutica Cristiane Feijó é coordenadora técnica de uma rede que tem hoje 500 filiais com salas para atendimento farmacêutico. Ela relata o caso de um cliente atendido no consultório de uma dessas unidades: diabético e hipertenso, ele tomava remédios para essas doenças e passou a ter também dificuldade para dormir. O médico receitou um ansiolítico.
“Pedimos para ele trazer os medicamentos que tomava e as receitas e, quando vimos as caixas, percebemos que ele tomava o diurético à noite. Não estava conseguindo dormir porque tinha que levantar várias vezes para ir ao banheiro”, conta. Com a troca do horário do medicamento, ele voltou a dormir bem e pôde parar de tomar o ansiolítico. “O cliente brincou que a farmácia estava perdendo dinheiro com isso, porque ele passou a tomar menos remédios”, relata a farmacêutica das Farmácias Pague Menos
Cristiane conta que a farmácia atende muitos pacientes analfabetos, que têm dificuldade de entender o tratamento. “O que mais buscam na farmácia é entender a doença e o tratamento: o que pode fazer e o que não pode. Informações que podem ajudar a manter uma qualidade de vida boa, apesar da patologia.”
A farmacêutica Simone Araújo do Prado, diretora regional de outra rede de farmácias, concorda. Para ela, muitos pacientes tomam o medicamento de forma errada porque não têm apoio. “Os nossos clientes gostaram do serviço. Tem dias que temos fila. Eles vão em casa, trazem as caixinhas dos remédios, pedem para separarmos os medicamentos em porta-comprimidos, colocar etiquetas com os horários”, diz Simone.
“Nosso público é muito idoso e eles estão gostando muito da atenção e de ter um local separado onde possam conversar com o profissional”, completa. A rede em que Simone trabalha, a Farma Conde, tem hoje 11 unidades com sala de atendimento farmacêutico.
Combate à automedicaçãoO atendimento personalizado pelo farmacêutico também busca prevenir os riscos da automedicação. Ronaldo Ribeiro conta o caso de um idoso que passava pela farmácia várias vezes por semana para comprar o anti-inflamatório diclofenaco.
Ribeiro resolveu intervir e perguntar o porquê do uso contínuo do medicamento e explicar os efeitos nocivos que o uso desregrado do remédio poderia ter. Ele também encaminhou o paciente para um fisioterapeuta. “Seis meses depois, ele passou caminhando em frente à farmácia e me agradeceu pela indicação. Nunca mais precisou tomar o remédio porque fez um tratamento adequado.”
Tarcício Palhano, do CFF, observa que a tendência dos consultórios farmacêuticos pode ser vista como um retorno às farmácias de antigamente, em que a população se sentia próxima aos farmacêuticos. “Com o tempo, houve um distanciamento entre o farmacêutico e a população. Felizmente, isso está sendo recuperado de uma forma muito mais técnica e responsável, até porque todos os procedimentos feitos pelo farmacêutico têm de ser registrados e ele é responsável ética e legalmente por esses procedimentos”, diz Palhano.
Segundo uma pesquisa do ICTQ que ouviu 2.115 pessoas em todas as regiões do país, 73% da população ouvida prefere farmácias que tenham consultórios para atendimento por parte do farmacêutico e 61% diz que confia em um farmacêutico para obter receita de medicamentos.
“O farmacêutico clínico não veio para tomar o lugar do médico, mas para intermediar a relação entre pacientes e médicos. Somos um elo para agregar qualidade de vida ao paciente”, diz Ribeiro.
Fonte: G1