Dois ex-colaboradores do químico Gilberto Chierice, desenvolvedor da fosfoetanolamina, conhecida como “pílula do câncer”, anunciaram na internet a venda da substância como suplemento alimentar. Ela está sendo produzida nos Estados Unidos e a promessa é de que esteja no mercado a partir de março.
Os responsáveis pelo produto são o médico Renato Meneguelo e o biotecnológo Marcos Vinícius de Almeida, que colaboraram com Chierice no desenvolvimento da fosfoetanolamina, mas romperam com ele no fim de 2015.
“Não aguentávamos mais uma série de acordos que não iam pra frente pela postura arrogante de alguns do grupo”, disse Almeida em sua página no Facebook. Meneguelo, por sua vez, alega que o rótulo do suplemento não informará que ele serve para tratar câncer, e que o objetivo da substância é melhorar a qualidade de vida de pacientes terminais.
“Eu nunca falei que estava em busca de um remédio que curasse o câncer, mas sim que estava em busca de um composto que melhorasse pelo menos 20% da qualidade de vida de quem era paciente terminal, porque a dor é insuportável para ele e para a família. Nunca falei que era para não fazer radioterapia, quimioterapia”, afirmou ele em um vídeo publicado na rede social, no qual também disse que foi buscar apoio fora do Brasil por causa da “burocracia no país”.
Para o coordenador da Cátedra Unesco de Bioética da Universidade de Brasília (UnB), Volnei Garrafa, a tentativa de vender a fosfoetanolamina como suplemento alimentar é uma “manobra” para driblar o controle sanitário. — A população já conhece a fosfoetanolamina como a “pílula do câncer”, então, mesmo como suplemento, essa associação vai existir na cabeça das pessoas. E elas podem ficar com uma falsa expectativa, o que é muito complicado do ponto de vista ético. (Os desenvolvedores da pílula) estão tentando uma manobra para ludibriar o controle sanitário. Isso está claro — afirma o acadêmico. — Acho isso irresponsável.
SEM COMPROVAÇÃO CIENTÍFICA
Garrafa esclarece que a substância ainda terá que passar pela chancela da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para poder ser comercializada dentro do Brasil, mesmo que seja como suplemento, e não como remédio.
— A fosfoetanolamina não passou pelo protocolo de qualquer comitê de ética e pesquisa. Não existe biossegurança quando se trata desse produto, por isso não se pode oferecê-lo a humanos, seja como remédio ou como alimento — argumenta.
O presidente da Associação Médica Brasileira (ABM), Florentino Cardoso, também critica a ideia:
— É esquisito que alguém defenda algo como medicamento e, de uma hora para outra, passe a querer vendê-lo como suplemento alimentar. Nosso interesse é que as pessoas não sejam enganadas.
A possibilidade de legalizar a substância como suplemento alimentar foi levantada em março de 2016 pelo então ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Celso Pansera. No mês seguinte, a então presidente Dilma Rousseff sancionou uma lei, aprovada pelo Congresso, liberando a substância para pacientes de câncer. Mas, em maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a lei.
Fruto de pesquisas do Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), a fosfoetanolamina foi distribuída localmente durante anos por funcionários do laboratório, com relatos de pacientes defendendo sua eficácia. No entanto, não há comprovação científica de sua eficiência para qualquer tumor. Atualmente, a substância passa por testes no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo.
Procurada pelo GLOBO, a Anvisa não retornou até o fechamento da reportagem. Também procurado, Gilberto Chierice não foi encontrado.
Créditos da Notícia: Stella Borges