O programa Fantástico da Rede Globo, exibido no último domingo (29/01/17), encomendou ao laboratório da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) um teste sobre a eficácia de medicamentos. Seu objetivo era investigar três princípios ativos mais consumidos no País em 2015, que foram produzidos por nove laboratórios fabricantes dos 15 medicamentos mais vendidos.
A matéria fez um retrospecto histórico, e ainda evidenciou que, apesar de importante para a saúde pública, o consumo de genéricos no Brasil ainda é de apenas 30% - índice muito abaixo dos apresentados pelos Estados Unidos e Europa.
Além disso, a reportagem trouxe uma aula técnica, em uma linguagem clara para leigos, sobre patente farmacêutica, farmacopeia, assuntos regulatórios, equivalência farmacêutica, dissolução, bioequivalência e diferenças entre os tipos de medicamentos. No entanto, a cobertura levantou algumas curiosidades sobre as quais vale a pena refletirmos.
1. Cadê o farmacêutico?
Muitos farmacêuticos questionam nas redes sociais a ausência destes profissionais em uma matéria que discutiu a eficácia de medicamentos. Mas creiam...havia farmacêuticos na matéria... Por que será que não foram devidamente identificados? Qual real interesse em não citar o profissional que melhor conhece o medicamento e que é responsável técnico dos estabelecimentos que dispensam os genéricos?
Os farmacêuticos que desenvolveram o estudo, e participaram com entrevistas, passaram despercebidos. Isso aconteceu, inclusive, pela ampla maioria dos próprios colegas, que pelo País afora desconhecem, por exemplo, o farmacêutico Gerson Pianetti, conselheiro Federal pelo CRF-MG, que foi creditado apenas como coordenador do CEDAFAR – UFMG.
Curiosidade: Qual seria a dificuldade de creditar o Dr. Pianetti como farmacêutico - coordenador do CEDAFAR – UFMG? Antônio Carlos Zanini, por exemplo, em seus créditos, foi citado como médico - ex-secretário nacional de Vigilância Sanitária.
2. Onde está a imparcialidade quanto aos tipos de medicamentos testados?
A matéria cita que foram adquiridos medicamentos genéricos e de referência em farmácias de São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Belo Horizonte (MG). No entanto, levanta algumas curiosidades: Os testes de equivalência e dissolução são suficientes? Os testes de dissolução foram realizados em ambos os tipos de medicamentos (genérico e referência)? Por que os resultados divulgados foram somente dos medicamentos genéricos? O Fantástico não deveria publicar os resultados dos testes realizados nos medicamentos referência, independentemente de quais eles fossem?
Vale a ressalva de que análises de avaliações fiscais como nesse caso, conforme o Art. 27, parágrafo 4º da Lei 6437/77, “o infrator, discordando do resultado condenatório da análise, poderá, em separado ou juntamente com o pedido de revisão da decisão recorrida, requerer perícia de contraprova, apresentando a amostra em seu poder e indicando seu próprio perito”.
Porque as industrias apontadas com desvio de qualidade não tiveram a oportunidade requerer contraprova da perícia?
3. Qual foi o serviço de informação prestado à sociedade?
Os testes foram realizados em apenas um laboratório, que não se encontra na relação dos laboratórios relacionados pela Rede Brasileira de Laboratórios Analíticos em Saúde (Reblas), da Anvisa http://portal.anvisa.gov.br/laboratorios-analiticos-habilitados-na-reblas.
A curiosidade capciosa que fica é: com testes sem contraprova em laboratórios devidamente credenciados, qual é o serviço de informação em saúde prestado à população? Por que foram lançadas dúvidas sobre medicamentos genéricos com médicos declarando, de forma dantesca, frases como:
“Quando tenho que receitar algum antibiótico, ou em casos de vida ou morte, eu evito o genérico”. Dr. Antônio Carlos Zanini – Médico.
“Sinceramente, eu não tenho coragem de prescrever medicamentos de empresas que eu não conheço”. Dr. Raul Dias – Médico.
“A raposa controla o galinheiro”. Dr. Anthony Wong – Médico, sobre a resolução da Anvisa que autoriza os produtores de medicamentos a realizarem testes conforme sua própria metodologia, quando esses não constam na farmacopeia brasileira.
Com testes sem contraprova e opiniões carregadas de imparcialidades, a reportagem arremata, em seu final de edição, afirmando: “Como especialistas sérios e respeitados discordam da Anvisa, em face dos testes, levamos a você questionamentos que certamente vão contribuir para que o Brasil tenha mais e bons genéricos”.
As perguntas que ficam: Como isso poderá ser feito? Lançando dúvidas sem validação sobre a população? Promovendo o médico como detentor de conhecimento técnico para indicação e venda do laboratório A em detrimento de B?
4. O médico prescreve o laboratório?
No início da reportagem, Raul Dias, professor da faculdade de medicina da USP, declara que não tem coragem de prescrever medicamentos de empresas que ele não conhece.
Ainda na mesma apuração, este mesmo médico declara: “Eu confio naquele que eu conheço a origem. Quando eu prescrevo um genérico para um paciente meu, eu falo: - O senhor quer tomar o genérico? Perfeito, não tenho nada contra, desde que o senhor tome desses laboratórios: A, B, C, D... Porque nesses a gente confia”.
Para finalizar, o âncora do programa, Tadeu Schmidt, encerra a reportagem afirmando: “Se você toma genérico, não deixe de tomá-lo, mas peça sempre uma sugestão de laboratório para o seu médico”.
As perguntas curiosas para as quais a maioria já sabe as respostas: Como os médicos conhecem os laboratórios? Por meio de quais instrumentos ele passa a confiar em um laboratório A, B, C ou D? Ironia: o médico que prescreve participa dos testes, inclusive os de bioequivalência (como voluntário) para adquirir essa confiança e indicar o laboratório na hora da sua prescrição?
Vale a lembrança que o código de ética médica de número 1931/2009 publicada no DOU de 24/09/2009 e retificada no DOU de 13/10/2009 diz no capítulo 8, Art. 68 diz que é vedado ao médico – “Exercer a profissão com interação ou dependência de farmácia, indústria farmacêutica, óptica ou qualquer organização destinada à fabricação, manipulação, promoção ou comercialização de produtos de prescrição médica, qualquer que seja sua natureza”.
A confiança do brasileiro em relação aos medicamentos
Independentemente do que foi publicando na matéria deste domingo (29/01/17) no programa Fantástico da Rede Globo, de acordo com a pesquisa do ICTQ, o tipo de medicamento que mais projeta confiança entre a população é o remédio de marca (78% de concordância), seguido pelo genérico (73%). Por outro lado, pouco mais da metade da população confia nos remédios similares (54%).
É notável a confiança no remédio genérico em nível semelhante ao de marca. Mas a baixa atratividade do medicamento similar pode estar relacionada à falta de compreensão sobre seu processo de desenvolvimento e fabricação.
A confiança nos genéricos, em 2012, era de 70%, considerando a margem de erro do atual estudo, a variação do índice é de 1% para mais.
A confiança plena da eficácia dos medicamentos genéricos por região:
1º Sudeste - 76%
2º Sul - 75%
3º Nordeste - 72%
4º Norte e Centro-Oeste - 67%
O maior grau de confiança na eficácia dos genéricos está entre os brasileiros com mais de 60 anos (78%) e entre os que têm ensino superior (77%).
Quando o médico indica a marca do laboratório fabricante do medicamento, ou o tipo do remédio (genérico, similar ou referência), 40% dos pacientes no Brasil consideram que se sentem pressionados ou influenciados a consumir mais medicamentos do que o necessário.
Estes são dados da pesquisa do ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico – obtidos em 2015. O estudo foi realizado com 2.162 pessoas de todo o Brasil, distribuídas em 134 municípios, de forma a representar as regiões geográficas do País. A margem de erro máxima para esta amostra é de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos, dentro de um nível de confiança de 95%.
*Marcus Vinicius de Andrade é fundador do ICTQ e especialista em pesquisas de opinião do setor farmacêutico nacional.
Fonte: ICTQ