RIO - Pesquisadores chineses identificaram no sangue de um paciente que contraiu o vírus da zika dois anticorpos específicos contra o micro-organismo. Testes preliminares com camundongos mostraram ainda que os anticorpos foram capazes de proteger os animais contra a infecção. Segundo os cientistas, por se ligarem seletivamente ao vírus da zika e não a outros micro-organismos da mesma família, como o vírus da dengue, os anticorpos identificados são um passo importante na batalha da ciência para encontrar uma vacina ou tratamento para a doença. Isto porque eles ajudariam a evitar potenciais, e perigosos, efeitos colaterais destas eventuais futuras terapias, como o fenômeno do reforço na severidade da infecção por dengue e outros dos chamados flavivírus, muito comuns nas regiões atingidas pelo zika.
Retornando da Venezuela, onde foi infectado pelo vírus da zika, o paciente teve as amostras de sangue coletadas 20 dias depois do aparecimento dos primeiros sintomas. Nelas, os cientistas chineses primeiro isolaram todos os anticorpos que se ligassem ao vírus da zika, num total de 13, assim como os linfócitos B de memória, um tipo de célula de nosso sistema imunológico, que fabricavam cada um deles. Estes linfócitos foram então cultivados em laboratório (clonados) para produzirem mais anticorpos, por isso passando a ser denominados “monoclonais”.
De posse de um suprimento destes anticorpos monoclonais, os pesquisadores passaram então a testar como cada um deles se ligava ao vírus da zika, assim como sua reação aos quatro subtipos do vírus da dengue. E foi assim que, dos 13 anticorpos iniciais, eles acabaram com dois, batizados Z23 e Z3L1, que se ligavam exclusivamente ao vírus da zika, assim como um terceiro anticorpo monoclonal, Z20, que demonstrou apenas uma leve “afinidade” pelos subtipos do vírus da dengue. Análises estruturais indicaram que estes dois primeiros anticorpos se ligam a um chamado epítopo — uma pequena estrutura na superfície de um corpo estranho, como um vírus ou bactéria —, presente apenas no que é o chamado “envelope” do vírus da zika, que ele usa para se disfarçar de nosso sistema imunológico e facilitar a invasão de nossas células.
Assim, os cientistas decidiram investigar a eficácia de cada um destes anticorpos no combate à infecção pelo vírus da zika. Para isso, eles usaram camundongos geneticamente alterados para que seus sistemas imunológicos não identifiquem invasões por micro-organismos deste tipo. Distribuídos aleatoriamente em cinco grupos de três a cinco animais, eles foram primeiro deliberadamente infectados com o vírus da zika. Um dia depois, cada grupo recebeu uma injeção, com os anticorpos Z23, ou o Z3L1, ou o Z20, ou um anticorpo genérico (2G4) ou uma solução salina inócua, com os dois últimos servindo como grupos de controle.
Sem danos neurológicos
No experimento, os cientistas verificaram que, passados 14 dias, nenhum dos camundongos que recebeu os anticorpos específicos para o vírus da zika, Z23 ou Z3L1, desenvolveu qualquer sinal da doença, caracterizado por sintomas neurológicos ou uma perda de massa corporal acima de 20% da que tinham no início da experiência. Já no grupo que recebeu o anticorpo Z20, quatro dos cinco animais tratados sobreviveram à infecção, com nenhum deles perdendo mais de 10% do peso original. Pior sorte, no entanto, tiveram os camundongos dos grupos de controle. Dos que receberam do anticorpo 2G4, todos acabaram perdendo cerca de 20% da massa corporal, sendo que quatro foram sacrificados oito dias após a infecção ao apresentarem sintomas neurológicos, enquanto todos que receberam as injeções da solução salina logo apresentaram tanto perda de peso severa quanto sintomas neurológicos, sendo sacrificados com apenas sete dias de curso da experiência.
De acordo com os cientistas, embora o Z23 e o Z3L1 tenham protegido os camundongos de desenvolverem zika mesmo sendo administrados depois da infecção pelo vírus, o experimento não permitiu verificar se as injeções também ativaram outros mecanismos de defesa além da neutralização direta do micro-organismo, o que vai depender de futuras pesquisas. Ainda assim, eles esperam que as descobertas ajudem a guiar o desenvolvimento de linhagens de anticorpos monoclonais para o ataque à epidemia global de zika, que desde que chegou no Brasil em 2015 já atingiu mais de 80 mil pessoas em 69 países ou territórios.
Fonte: O Globo