Em audiência pública da Subcomissão sobre uso de fármacos experimentais, da Comissão de Seguridade Social e Família, médicos e pesquisadores apontaram a burocracia, a falta de investimentos, a insegurança jurídica e a aversão a riscos como fatores da baixa produção científica e de inovação na área de medicamentos no País.
O debate, que reuniu alguns dos maiores especialistas brasileiros no assunto, foi promovido pela subcomissão especial sobre o uso de fármacos experimentais, criada em junho para acompanhar ações relacionadas à substância fosfoetanolamina, produzida por pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP).
A subcomissão debateu as dificuldades e os resultados das pesquisas científicas relacionadas aos medicamentos inovadores e novas vacinas, as causas externas que interferem na produção e comercialização dos medicamentos e o desenvolvimento de novos produtos medicamentosos para doenças raras e graves.
Os debatedores sugeriram maneiras de aliar a produção científica à produção industrial, como a adoção de contrapartidas nas compras governamentais, marcos regulatórios menos burocráticos, incentivos fiscais e a criação de imposto sobre heranças como maneira de estimular doações para instituições de pesquisa.
As compras governamentais de medicamentos feitas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que somam mais de R$ 8 bilhões por ano, foram apontadas como um dos fatores que podem estimular a pesquisa e o desenvolvimento de medicamentos no Brasil.
O presidente da subcomissão especial, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), chegou a sugerir que o volume de compras do SUS é suficiente para que o governo cobre contrapartidas dos laboratórios e indústria farmacêutica, que praticamente não investem em pesquisas no País – o que é feito principalmente pelas universidades.
“Isso dá poderes governamentais para exigir contrapartidas, já que é a academia que faz pesquisa, oferece gratuitamente para a indústria farmacêutica e eles não desenvolvem”, disse.
O volume de compras do SUS foi apontado como fator de estímulo às empresas pelo pesquisador Fernando de Queiroz Cunha, professor da USP e consultor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O pesquisador José Fernando Perez, presidente da Recepta Biophama, empresa de biotecnologia que promoveu a primeira exportação de patente de medicamento brasileiro – no caso, um remédio usado no tratamento contra o câncer, por meio de tecnologia de reforço imunológico do paciente – também apontou as compras do SUS como uma vantagem para o estímulo às pesquisas.
“Não é preciso uma lei nova. É possível usar os instrumentos existentes para apoiar a inovação, usando o poder de compra do governo e estímulo por meio de renúncia fiscal”, afirmou.
Perez também cobrou incentivos fiscais para empresas de pesquisa e reclamou do fato de o produto desenvolvido pela Recepta ter que pagar PIS/Cofins como qualquer outro ao ser exportado.
O médico e pesquisador Jorge Elias Kalill Filho, diretor do Instituto Butantan, em São Paulo, e professor de Imunologia Clínica e Alergia da Faculdade de Medicina da USP, sugeriu ainda a adoção do imposto sobre herança, que nos Estados Unidos favorece a doação de empresários a instituições de pesquisa. “Aqui, se você doar para um instituto desses, tem que pagar o dobro de impostos”, disse.
Diagnóstico
Kalil apresentou dados que mostram um gargalo no setor. “Não existe financiamento, o pesquisador não é valorizado, há excesso de burocracia e marcos regulatórios intrincados, poucas start-ups dispostas a desenvolver um produto e poucos cientistas na indústria”, resumiu.
Segundo ele, a indústria farmacêutica nacional, por exemplo, deu um salto nos últimos 15 anos, a partir da produção de produtos genéricos, mas isso não resultou em mais pesquisas.
“A indústria farmacêutica não tem sido competente para fazer descobertas. Geralmente isso é feito nos meios acadêmicos. No Brasil, a indústria de remédios faz genéricos e cópias”, disse.
Outro fator, segundo ele, é a falta de investimentos em pesquisa e marcos regulatórios intrincados, que burocratizam todos os esforços dos cientistas. “O Brasil quase não tem patentes. O Japão tem 118 por milhão de habitantes. O Brasil tem 0,3. Aqui o sistema é burocrático e dificulta. A aprovação de estudos clínicos de medicamentos, na Coreia, é 30 dias. No Brasil é 365 dias. Se um cientista quiser importar um material importante para pesquisa, precisa de seismeses. Nos Estados Unidos, ele consegue no dia seguinte”, explicou.
Fernando de Queiroz Cunha, da Universidade de São Paulo (USP), foi na mesma linha. “Falta projeto bem estruturado entre Estado, universidades e setor produtivo. É preciso ter uma indústria química que produza insumos e agências reguladoras eficazes”, disse.