Trinta mil especialistas reunidos no maior congresso de oncologia do mundo: assim é a American Society of Clinical Oncology (Asco). A cada ano, a Asco aborda avanços no tratamento da doença que, só neste ano, deve acometer 596 mil pessoas no Brasil, de acordo com estimativas do Instituto Nacional de Câncer (Inca). É durante a reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica que são apresentados os principais estudos e novidades na área. Segundo o oncologista Israel Vilaça, da Oncomed-BH e do Instituto Mario Penna, ambos em Belo Horizonte, diferentemente da edição do ano passado, quando se destacaram pesquisas sobre o uso da imunoterapia no tratamento de carcinomas no pulmão, a edição de 2016, feita em junho, aprofundou pesquisas desse tipo e trouxe novos estudos e mudanças nos modos de tratar os tumores.
“Há várias avanços no conhecimento da biologia do câncer, além de novos exames e medicamentos”, afirma Vilaça, que destaca quatro estudos em especial. Um deles avaliou o uso da hormonoterapia para evitar a recidiva de câncer de mama. Até então, eram indicados cinco anos de hormonoterapia, mas o estudo mostrou que dobrar esse período resulta em redução de 34% do risco de recorrência da doença, se comparada a abordagem com placebo, confirmando dados de estudos anteriores. Foram analisadas 1.918 pacientes tratadas com letrozol. A substância é indicada após a cirurgia para mulheres com câncer de mama inicial na pós-menopausa. “Precisamos orientar que prolongar o tratamento pode reduzir ainda mais a recidiva, mas, sempre que possível, devemos pesar o risco/benefício. Nenhuma medicação é isenta de efeitos colaterais”, ressalta o oncologista.
A Asco também trouxe avanços na abordagem do câncer de pâncreas. Um estudo de fase 3 é, segundo Vilaça, visto como um marco histórico para a doença porque implica mudanças de conduta. Antes, o paciente, mesmo com a doença avançada, fazia o tratamento com o quimioterápico gencitabina após ser submetido a uma cirurgia. A nova abordagem concluiu que adicionar outra quimioterapia oral, a capecitabina, ao tratamento padrão prolonga a sobrevida dos pacientes sem aumentar muito a toxicidade. “A sobrevida global mediana foi de 28 meses para quem usou a terapia combinada e de 25,5 meses para quem recebeu só um medicamento. É um ganho de 12% de sobrevida global em cinco anos. Um resultado significativo”, comemora o médico. “Trata-se de uma doença de prognóstico muito reservado. Na maioria dos casos, o diagnóstico ocorre em estágios avançados.”
Idosos
Há também novidades para o enfrentamento do glioblastoma multiforme (GBM), que acomete o sistema nervoso central. Médicos e cientistas sabem do beneficio da droga temozolomida em associação com a radioterapia depois da intervenção cirúrgica, mas desconheciam os efeitos desse tratamento na população idosa, que representa cerca de metade dos casos. “O estudo apresentado fornece a primeira evidência de que a quimioterapia com temozolomida em associação à radioterapia com um fracionamento mais curto aumenta significativamente a sobrevida sem prejudicar a qualidade de vida, com uma redução do risco de morte em torno de 33%. Antes, não tínhamos uma diretriz clara para tratar esse grupo de pacientes”, explica Vilaça.
Mas um dos estudos mais comentados foi o que testou a adição do anticorpo monoclonal daratumumab a um regime de duas drogas: a bortezomibe e a dexametasona. “Esse é o primeiro anticorpo monoclonal aprovado para o tratamento do mieloma múltiplo e tem como alvo uma proteína presente na superfície das células tumorais. Quando adicionamos esse anticorpo, o tumor responde mais rápido e permite maior controle de dor, em curto espaço de tempo, e possibilita melhor qualidade de vida. O estudo mostrou melhora na resposta do paciente com mieloma múltiplo recorrente. A combinação reduziu o risco de progressão em 70%”, detalha o oncologista.
Biópsia líquida
Há mais perspectivas em relação aos exames e aos métodos diagnósticos. Está em evidência, por exemplo, a biópsia líquida, usada principalmente no câncer de pulmão. Trata-se de um método que pode ser utilizado periodicamente para avaliar a progresso da doença, a resposta à terapia e o desenvolvimento de resistência ao tratamento. Comparando resultados do procedimento, por meio da coleta de material de sangue e urina, com os da tradicional análise do tecido tumoral, observou-se que 57% dos pacientes coincidiram na positividade.
“Isso mostra que não se pode substituir um método pelo outro e que eles são complementares. Às vezes, temos um paciente idoso que não consegue fazer biópsia do tumor pelo risco cirúrgico do procedimento invasivo. Nessas pessoas, podemos usar amostras do próprio sangue para avaliar se com aquele material é possível detectar e fazer o diagnóstico. Se por ali for possível identificar o tumor, não é preciso recorrer ao método invasivo”, acrescenta Vilaça.
596 mil
Quantidade de diagnósticos de câncer que serão feitos no Brasil, neste ano, segundo o Inca.
Fonte: Correio Braziliense