E se a gestante pudesse tomar um remédio contra os efeitos da zika? É com essa pergunta em mente que cientistas da Universidade da Califórnia em San Francisco (EUA) realizaram um estudo para entender como o vírus da zika passa da mãe para o bebê e como a infecção pode ser evitada. “A nossa motivação para esse trabalho é o ônus devastador que o vírus da zika tem levado à população brasileira e à do mundo todo”, diz uma das autoras do estudo, Hanna Retallack.
Hanna faz parte de um time interdisciplinar de pesquisadores que se juntaram para lidar com a alarmante situação de saúde pública causada por esse vírus. Juntos, eles identificaram como o vírus passa da mãe para o bebê pelas células da placenta, e como as células-tronco neurais do feto são particularmente suscetíveis ao vírus durante o primeiro e o segundo trimestre de gestação. O que as células da placenta e do cérebro do bebê têm em comum é um receptor, uma “porta de entrada” para a célula, chamado AXL, que permite a entrada do vírus —quando o receptor é bloqueado, não há infecção.
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores analisaram tecidos de diferentes idades infectados pelo vírus da zika, criando um mapa temporal mostrando o rastro de devastação do vírus, passando da mãe para as células-tronco neurais do feto através da placenta.
Uma vez determinados o tipo das células infectadas e o receptor presente, um simples experimento usando anticorpos que bloqueiam o receptor foi suficiente para confirmar que o vírus usa essa molécula como porta de entrada na célula.
O mais curioso no estudo é que os cientistas mostram como o antibiótico azitromicina bloqueia a proliferação do vírus, protegendo as células do efeito devastador do vírus da zika. Embora o exato mecanismo para essa proteção seja desconhecido, é sabido que antibióticos da mesma classe têm uma ação similar contra o vírus da dengue e da febre amarela.
Como o antibiótico o já é aprovado para uso até mesmo em mulheres grávidas, a opção ganha ares de promissora para o tratamento da doença. “Essa descoberta é extremamente importante porque ela pode mudar como mulheres grávidas expostas ao vírus são tratadas clinicamente, e essa é a nossa motivação para publicar o nosso trabalho numa plataforma de acesso aberto”, diz Arnold Kriegstein,um dos líderes da pesquisa.O trabalho está disponível on-line no repositório bioRxiv.
Apesar da facilidade de implementação, “os resultados ainda são experimentais e não foram testados clinicamente, mas queremos que os médicos saibam que eles existem, devido à urgência da situação”,diz Elizabeth Di Lullo, outra autora do estudo.
Mesmo com o grande progresso no entendimento da relação entre zika e microcefalia, a estratégia do vírus para entrar nas células revela se cada vez mais complexa.
Estudos voltados para um tratamento que reduza ou suprima qualquer efeito do vírus da zika em fetos podem ser a solução para essa doença. “Espero que nossas descobertas ajudem outros pesquisadores a procurar medicamentos e vacinas para acabar de vez com essa epidemia”, conclui Hanna.
Fonte: Folha de S. Paulo