Notícia: Como nasce um Medicamento Isento de Prescrição (MIP)

Publicado em 22 de jun. de 2016

Como nasce um Medicamento Isento de Prescrição (MIP)


O pedido sempre passa por avaliação da área técnica da Anvisa, que poderá ou não ser deferido
Como nasce um Medicamento Isento de Prescrição (MIP)

Todo medicamento inovador nasce com venda sob prescrição médica. Após cinco anos no mercado nacional, no momento da renovação de seu registro, o laboratório detentor do produto poderá solicitar a alteração para Medicamento Isento de Prescrição (MIP). O pedido passará por avaliação da área técnica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que poderá ou não ser deferido. Segundo a Anvisa, o processo de troca de categoria de registro para MIP leva um ano para ser finalizado, podendo acontecer antes ou depois, dependendo do caso.

No Brasil, não existe uma lista de MIPs, mas, sim, a lista de Grupos e Indicações Terapêuticas Especificadas (Gi-te), que determina quais categorias de fármacos podem ser isentas de prescrição. Todos os medicamentos cujos grupos e indicações terapêuticas não estejam descritos no Gite são de venda sob prescrição médica. A lista faz parte da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 138, de 2003, da Anvisa, que determina as regras para que o medicamento se torne um MIP. Na resolução, estão previstas, também, que as associações medicamentosas ou duas ou mais apresentações em uma mesma embalagem para uso concomitante ou sequencial, cujo grupo terapêutico e indicação terapêutica de pelo menos um de seus princípios ativos não estejam especificados no Gite, são de venda sob prescrição médica.

Existe uma alternativa para o medicamento inovador ser registrado e comercializado no Brasil como MIP sem esperar o prazo de cinco anos de renovação do registro. Esse caso prevê que o produto já seja comercializado como MIP há mais de cinco anos nos Estados Unidos ou na Europa, com a respectiva aprovação das entidades reguladoras de medicamentos locais FoodDrug Administration (FDA), nos Estados Unidos, ou European Medicines Agency (EMA), na Europa, Sendo assim, o laboratório solicitante deverá juntar ao processo de registro na Anvisa dados de farmacovigilância e comprovantes de enquadramento na categoria de venda sem prescrição médica no país onde o produto é comercializado.

Processo claro

Além desses procedimentos de registro, para que um medicamento seja aprovado pelas autoridades sanitárias como MIP deve ter um alto perfil de eficácia e, principalmente, segurança, que envolve características, como ba -xo potencial de toxicidade e risco (mau uso/abuso/intoxcação), reações adversas com causalidades conhecidas e reversíveis após a sua suspensão, baixo potencial de interações (medicamentosa e alimentar). "Para que seu uso seja seguro e consciente, sempre que o consumidor optar por usar MIPs, deve seguir as orientações da bula e rotulagem e ter em mente que, se os sintomas persistirem, a suspensão do medicamento ceve ser imediata e um médico deve ser procurado", afirma a vice-presidente executiva da Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição (Abimip), Marli Martins Sileci.

Regras incertas

Apesar da existência de normas específicas para troca de categoria de medicamentos para MIPs, persistem algumas dúvidas sobre o processo, como assinala Marli. "Atualmente, no Brasil, não há diretrizes claras que norteiam a mudança de um medicamento tarjado para MIP. Quando a empresa farmacêutica tem uma substância apta para a reclassificação ou switch ela deve submeter individualmente o pedido à Anvisa, que analisa e dá seu parecer. Não existe ainda um procedimento-padrão", afirma a vice-presidente da Abimip. Segundo a executiva, 3 Anvisa está finalizando as discussões sobre a nova resolução dos MIPs e do processo de switch e deverá publicá-la no primeiro semestre deste ano. "A nova norma, alinhada com o cenário mundial, apresentará um modelo de regulação mais funcional que permitirá à agência uma avaliação sobre os pedidos de switch a partir de critérios estabeleci dos, baseados em uma documentação mais robusta no que se diz respeito ao perfil de segurança do uso do medicamento", esclarece.

De acordo com a Anvisa, conta muito também para que o medicamento se enquadre na categoria de MIP seu histórico no País. No momento da renovação de registro e com o pedido para reenquadramento como MIR são avaliadas as notificações médicas que o produto teve. Medicamento com notificações negativas, principalmente com efeitos adversos, dificilmente consegue a transferência. Efeitos adversos não previstos na bula pioram ainda mais a situação do produto. O Sistema Nacional de Notificações para a Vigilância Sanitária (Notivisa), da Anvisa, é o principal banco de dados utilizado para compilar esses casos. O sistema de informação é a ferramenta para a notificação e o monitoramento de eventos adversos relacionados ao uso de produtos sob vigilância sanitária. Nele, está o registro de problemas relacionados ao uso de medicamentos e produtos para a saúde, incidentes e eventos adversos, com o propósito de fortalecer a vigilância pós-uso das tecnologias em saúde. Profissionais de saúde e cidadãos podem relatar problemas diretamente no s/te do sistema. Segundo a Anvisa, há também uma rede de monitoramento em hospitais e centros médicos, que enviam à Agência possíveis efeitos adversos e outros problemas relacionados aos medicamentos. que são analisados pelos técnicos e são tomadas as providências necessárias.

Obrigatoriedade da bula

Uma dúvida comum é se todos os MIPs precisam de bula. Segundo a Abimip, alguns dos MIPs são comercializados em carteias, o que faz com que muitos consumidores achem que eles não possuem bulas, faltando, portanto, informar sobre finalidade, forma de administração, entre outras. "Mas o que muitos não sabem é que, para esses MIPs vendidos em carteias, podem exigir a bula, que deverá estar disponível na farmácia, segundo as regras da Anvisa", diz a Abimip. Se, mesmo assim, o consumidor tiver dúvidas quanto à finalidade e ao modo de utilização de um MIP, ele também pode pedir auxílio ao farmacêutico, sugere a Abimip.

Na avaliação dos especialistas, o uso consciente dos MIPs age sobre a qualidade de vida e o direito assegurado ao usuário de atuar sobre a própria saúde, mas eles precisam seguir preceitos básicos. "Um fator crucial é que os MIPs não podem apresentar possibilidade de dependência", destaca o presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio de Janeiro (CRF-RJ), Marcus , Athila. "Os MIPs são indicados para doenças ou sintomas de baixa gravidade e autolimitados e são considerados de elevada segurança de uso, eficácia comprovada cientificamente ou de uso tradicional reconhecido, de fácil utilização e baixo risco de abuso", complementa o assessor da diretoria do Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio Grande do Sul (CRF-RS), Gabriel Freitas. Os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS) são claros para o uso correto dos MIPs, lembra o presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini. "O uso responsável de MIPs consiste na prática dos indivíduos em tratar seus próprios sintomas e males menores com medicamentos aprovados e disponíveis sem a prescrição médica e que são seguros e efetivos quando usados segundo as instruções."

Qual o papel dos MIPs nas epidemias?

Há pouco mais de cem anos, o Brasil, em particular a sua capital naquela época, Rio de Janeiro, passava por uma série de epidemias, a maioria delas provocada por problemas de falta de higiene e de saneamento básico - varíola, peste bubônica e febre amarela eram as mais graves.

Na primeira década do século 20, foi necessária uma força tarefa para vencer os focos de transmissão. Encabeçada pelo sanitarista Oswaldo Cruz, que dirigia o Departamento Nacional de Saúde Pública, a brigada vistoriava, em alguns casos à força, casas à procura de focos de mosquitos e de ratos. Em 1904, o governo federal obrigou os cidadãos se vacinarem, gerando imensa onda de protestos no que ficou conhecida como a Revolta da Vacina. Apesar dos reveses, Oswaldo Cruz conseguiu, em quatro anos, erradicar as principais epidemias, em particular a febre amarela.

E um dos vilões daquela época era o mesmo Aedes aegypti, transmissor da febre amarela, que hoje atormenta o País, transmitindo zika e chikungunya, além da velha conhecida dengue. Em pleno século 21, o Brasil está novamente diante de graves epidemias, como a zika, causadora da microcefalia, anomalia que leva a redução da circunferência craniana de bebês, entre outras complicações, e à síndrome de Guillain-Barré, moléstia que atinge o sistema nervoso.

Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas, o País pode registrar mais de 1,5 milhão de casos ainda este ano, o que representa cerca de 50% dos casos de incidência do zika previstos para as Américas. Já a chikungunya é uma doença semelhante à dengue, com sintomas também parecidos: febre, mal-estar, dores pelo corpo, dor de cabeça, apatia e cansaço. Porém, a grande diferença da chikungunya está no seu acometimento das articulações, pois o vírus avança nas juntas dos pacientes e causa inflamações com fortes dores acompanhadas de inchaço, vermelhidão e calor local.

Já a dengue, que chegou a ser praticamente erradicada do País na década de 1950, com o controle do Aedes aegypri, devido a falhas na vigilância epidemiológica e a um modo desordenado de urbanização, retornou em 1976 e não parou mais de crescer. Segundo a Fiocruz, são mais de 15 milhões de casos registrados da doença desde seu retorno. Mas esse número pode ser bem maior, tendo em vista que muitos casos não foram notificados. De forma geral, toda região do Pais onde exista Aedes aegyptiestá sujeita a ter uma epidemia de zika, chikungunya ou dengue.

As tentativas de controle das moléstias transmitidas pelo mosquito têm sido equivocadas, na visão de especialistas. "A falta de coordenação entre a vigilância epidemiológica, políticas de planejamento urbano e sanitário e estratégias de promoção da saúde estão na raiz do problema, assim como o uso de certos agentes químicos para controlar os mosquitos, tendo em vista seus efeitos sobre os seres humanos", afirma a diretora de desenvolvimento profissional do Fórum Farmacêutico das Américas, organização que reúne associações farmacêuticas nacionais, a Organização Pan-Americana de Saúde e a Federação Internacional Farmacêutica, Josélia Frade.

Surto recente

Outro problema enfrentadoé a gripe H1NI, iniciado nos primeiros meses deste ano, sobretudo no estado de São Paulo, que registra mais de 80% dos casos do País. No total, foram apurados 1.365 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) por influenza A/Hl N1 até meados de abril, segundo boletim do Ministério da Saúde. O mesmo documento informa que nesse período foram compiladas 230 mortes por H1N1. São Paulo teve o maior número de óbitos - 119, correspondendo a 51,7% das mortes do País.

Papel dos MIPs

Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs) podem ser a primeira linha de tratamento para determinadas condições de saúde, principalmente para doenças ou sintomas de baixa gravidade. No caso de enfermidades causadas pelos vírus transmitidos pelo Aedes aegypti e a H1N1, eles podem ser utilizados oara atenuar sintomas, mas alguns cuidados precisam ser tomados, adverte o diretor técnico de clínica geral do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HGFMUSP), Dr. Arnaldo Lichtesntein.

"Os sintomas iniciais da dengue são muito parecidos com os da gripe, sendo que ambas as infecções são muito comuns atualmente. Para a gripe, anti-inflamatórios a que a pessoa está acostumada podem ser o suficiente. Contudo, essa classe de medicamento é contraindicada para a dengue, pois pode piorar o problema de plaquetas, em especial no caso da dengue hemorrágica", frisa.

Para o professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e médico infectologista do Hospital Albert Einstein, Dr. David Salomão Lewi, o mais importante é ter o diagnóstico correto. "Não se deve tomar qualquer tipo de medicamento sem ter um indicativo do problema, sobretudo nas moléstias transmitidas pelo Aedes aegypti. Em alguns casos, um analgésico pode ser administrado, mas sob orientação médica, para se evitar riscos, como o de hemorragia nos casos de dengue tratados com anti-inflamatórios."

O surto fora de época de H1N1 (a doença costuma acontecer no inverno) fez com que os estoques do oseltamivir acabassem das farmácias em abril último, principalmente no estado de São Paulo. Para evitar que isso também ocorra com MIPs utilizados nos casos de gripe, as farmácias devem reforçar o estoque de anti-inflama-tórios, analgésicos e soros, além de produtos, como álcool gel e vitaminas.

"Para o paciente que está com sintomas de dengue, zika ou chikungunya, a indicação é o uso de soro para rei-dratação oral, além do paracetamol. Como preventivo, o farmacêutico deve recomendar ao paciente o uso de repelentes, mosquiteiros e monitorar possíveis focos de criação dos mosquitos", diz o presidente da Farma & Farma, associada da Federação Brasileira das Redes Associativistas e ndependentes de Farmácias (Febrafar), Rinaldo Ferreira.

Fonte: Guia da Farmácia



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