Muito antes da epidemia de dengue ser decretada em Paranaguá em janeiro, os números da estrutura de combate à doença na cidade já apontavam que era questão de tempo para que ela acontecesse. O Ministério Público do Paraná (MP-PR) começou a alertar a prefeitura de Paranaguá sobre a possibilidade de uma epidemia de dengue na cidade ainda em 2013 e enviou às autoridades uma série de recomendações que deveriam ter sido cumpridas para tentar evitar que a dengue se tornasse um problema.
A primeira recomendação foi feita um ano antes do primeiro caso autóctone da doença ter sido registrado no litoral. Hoje, três anos depois, a cidade apresenta um terço de todos os casos do Paraná – são 15.368 no total. Desde agosto de 2015, 27 pessoas já morreram por dengue em Paranaguá.
Na época, os promotores constataram a falta de agentes de combate à endemias para atuar na verificação de possíveis focos do mosquito Aedes aegypti. Em novembro de 2012, havia um agente para cada 2.283 imóveis, enquanto o recomendado pelo Ministério da Saúde é que exista um agente para cada 800 a 1.000 imóveis.
O índice apresentado era considerado grave, representando um risco de surto de dengue e outras doenças. O promotor de justiça Leonardo Busatto, que acompanha o caso, afirma que a fiscalização predial poderia ter evitado a epidemia de dengue na cidade. “É tecnicamente sabido que a única forma que evitar a dengue é a fiscalização e eliminação de criadouros do mosquito. Era uma tragédia anunciada”, disse.
As recomendações do MP continuaram após a decretação da epidemia e foram apontados problemas nas ações para conter o número de casos na cidade. Além do baixo número de visitas aos imóveis, as denúncias da população não foram atendidas de forma adequada.
A secretária de saúde de Paranaguá, Sandra Marcondes, afirma que as contratações de novos agentes foram realizadas em janeiro deste ano e que o número já atinge a meta estipulada pelo Ministério da Saúde - são 75 para 64 mil imóveis registrados na cidade. Ainda de acordo com a secretária, o município pretende contratar mais agentes – entre 10 e 15 – para evitar novas epidemias no futuro. “A epidemia no município tem sido um momento difícil, mas de muito aprendizado. Tínhamos uma inexperiência de epidemia e agora temos que manter as rotinas e estratégias para que nem a dengue nem outras doenças afetem a população”, afirmou.
Os bloqueios necessários para que o número de casos fosse reduzido não foram realizados pela prefeitura. A ação consiste na aplicação de inseticida em um espaço onde um grande número de pessoas foi contaminada pelo mosquito. De acordo com o MP, apenas quatro agentes estavam realizando as ações de bloqueio com duas bombas de inseticida - o que, para a promotoria, é insignificante em um território com mais de 60 mil imóveis.
Na ocasião, a Secretaria Municipal de Saúde do município informou ao MP que não estava realizando os bloqueios em casos de dengue, mas apenas quando existia a ocorrência confirmada de casos de zika – o que demora cerca de 15 dias para acontecer. De acordo com a secretária de saúde, o município realmente não “tinha braços” para fazer os bloqueios nos casos de dengue e, uma vez que a epidemia já estava instalada, buscou-se realizar o bloqueio nos casos de zika e chikungunya para evitar novos casos dessas doenças.
Consequências jurídicas
Diante da demora na tomada de ações, a promotoria de Paranaguá informou ao município em 19 de maio que, caso as recomendações não sejam seguidas, o MP poderá ingressar com uma ação civil pública por responsabilização por ato de improbidade administrativa.
A secretária de Saúde da cidade afirmou que o município se comprometerá a realizar as ações propostas pelo Ministério Público. “As recomendações ajudaram na formulação de ações contra a dengue. “Foi uma experiência árdua e sofrida, mas vamos manter e seguir as recomendações do MP para que o cenário não se repita no próximo verão”, constatou.
Além de estar localizada em uma área de mata atlântica com clima úmido, Paranaguá faz parte de uma zona portuária, tem problemas com saneamento básico e um grande número de ocupações e áreas irregulares.
De acordo com a promotora Priscila da Mata Cavalcante, Coordenadora Regional da Bacia Litorânea em Paranaguá, a epidemia na cidade é consequência de uma série de questões. Entre elas, a devastação da mata atlântica, o que modificou o ambiente. “Há um longo processo de degradação do ambiente que facilitou que o mosquito se instalasse”, disse.
Para a promotora, também há uma relação íntima com a falta de saneamento – que envolve desde a coleta e tratamento de esgoto, manejo de resíduos sódios e manejo de água pluvial – e de fiscalização do poder público no que diz respeito ao lixo produzido pelos cidadãos e do gerenciamento de resíduos pelas empresas. De acordo com os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 26,2% da população de Paranaguá não era atendida por rede de esgoto.
“O cidadão tem a responsabilidade sobre o seu lixo, mas também é responsabilidade do poder público fiscalizar as pessoas físicas e jurídicas para evitar essa situação coibindo esse tipo de comportamento e exigindo, até mesmo com multas, que as irregularidades acabem”, disse.
Registro de imóveis está defasadoAs ocupações irregulares e os imóveis não registrados em Paranaguá também contribuíram para o problema. De acordo com a Secretaria de Urbanismo de Paranaguá, existem ocupações irregulares em 16 bairros da cidade e a estimativa é de que cerca de 72 mil pessoas vivam em imóveis irregulares, sem notação no Registro de Imóveis.
As denúncias de locais com focos de larvas por parte da população foram estimuladas, mas, apesar de receber mais de 1,2 mil denúncias, 319 casos foram solucionados gerando quatro autos de infração.A prefeitura apontou que a ausência do registro imobiliário atualizado das propriedades é um problema para a administração.
De acordo a secretária de saúde, Sandra Marcondes, o número de imóveis registrados na cidade está mesmo defasado. “Paranaguá tem uma série de invasões em áreas irregulares, como o mangue. Estamos colocando esse número em dia, mas visitamos todas as regiões que conhecemos”, disse Sandra.
Fonte: Gazeta do Povo