Notícia: Ajuste fiscal restringe incentivo a doações

Publicado em 19 de jan. de 2016

Ajuste fiscal restringe incentivo a doações


A dedução global máxima de cada programa diminuiu de R$ 160,15 milhões em 2014 para R$ 1 milhão no ano passado para pessoas físicas.
Ajuste fiscal restringe incentivo a doações

Ao mesmo tempo em que defende a proposta de retorno da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) como forma de recuperar a área da saúde, o governo federal faz ajuste fiscal restringindo benefícios para doações a entidades sem fins lucrativos da área de tratamento do câncer e de assistência aos portadores de deficiência.

Em dezembro, a Portaria Interministerial nº 2013, dos ministérios da Saúde e da Fazenda, reduziu o valor global dedutível no Imposto de Renda (IR) das doações para o Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon) e para o Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência (Pronas).

A dedução global máxima de cada programa diminuiu de R$ 160,15 milhões em 2014 para R$ 1 milhão no ano passado para pessoas físicas. No mesmo período, a dedução global para pessoas jurídicas caiu de R$ 514,28 milhões para R$ 89 milhões. Os dois programas foram criados em 2012, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, dentro do programa Brasil Maior.

Na prática, o controle da dedução global do Imposto de Renda é feito pela habilitação de projetos pelo Ministério da Saúde. As entidades se candidatam a participar dos programas e apresentam seus projetos no decorrer de cada ano. Dentro do Pronon e do Pronas somente são dedutíveis do IR as doações feitas aos planos aprovados pelo Ministério da Saúde.

O valor total dos projetos habilitados no Pronas chegou a aumentar de R$ 94,48 milhões em 2014 para R$ 104,38 milhões em 2015. No Pronon, porém, o valor das propostas aprovadas caiu de 257,7 milhões em 2014 para R$ 100,8 milhões no ano passado.

As restrições aos programas, que significam apenas 0,12% da renúncia tributária total estabelecida pelo governo federal para 2015, surpreenderam as entidades do setor. Rubens Belfort Neto, presidente da Sociedade Pan-Americana de Oncologia Ocular, diz que projetos de várias entidades renomadas e com trabalho sério foram rejeitados em 2015.

Belfort Neto exemplifica com o caso do Ipepo, instituto de pesquisa ligado ao Hospital São Paulo, no qual ele é responsável pela área de oncologia ocular. O Ipepo, conta, conseguiu captar R$ 1,45 milhão em 2014, quando o seu projeto de aquisição de equipamentos para o diagnóstico de câncer no olho foi aprovado dentro do Pronon. Esse plano, diz o médico, está em execução.

Em 2015, diz Belforf Neto, o instituto se candidatou novamente com um projeto de cerca de R$ 400 mil para dar continuidade ao plano anterior e efetivar o tratamento de pacientes diagnosticados com câncer no olho. "O projeto, porém, foi recusado e não acredito que haja algum motivo que não o corte de recursos, já que a proposta anterior foi aprovada sem problemas", diz o médico. O projeto, explica, possibilitaria ao paciente o tratamento sem a retirada do olho. A proposta do instituto é atender, num período de dois anos, um paciente por semana. "Ou seja, atenderíamos 110 pessoas no período de dois anos."

Os projetos propostos pelo Ipepo, explica Belfort Neto, são executados em conjunto com o Hospital São Paulo, ligado à Escola Paulista de Medicina (EPM) e que atende prioritariamente pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Na rede particular, diz ele, o tratamento proposto pelo instituto custa R$ 60 mil por pessoa. E muitas vezes, conta, o poder público é obrigado a cobrir esse procedimento em hospitais privados por força de liminares em ações judiciais movidas pelos pacientes. "Isso traz despesa muito maior para o governo." O projeto tornaria viável o atendimento pela rede pública, explica o médico, e contribuiria para amenizar o gasto com as liminares.

Belfort Neto conta que a resposta à participação no programa chegou apenas em dezembro e o Ipepo já havia conseguido doadores para viabilizar o projeto. A autorização para a doação de recursos foi conseguida após muita persistência em duas empresas. Em uma delas, a companhia que se dispôs a ser doadora chegou a alterar seus procedimentos internos para viabilizar a operação. "Morremos na praia", conclui ele. "No início não entendemos por que o projeto foi rejeitado. Depois descobri que aconteceu com outras entidades."

Em 2015 o Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC) apresentou dois projetos no Pronon. Um deles foi aprovado, o que gerou arrecadação para o IBCC no ano passado de R$ 3,88 milhões. O valor é representativo levando em conta o histórico das doações que a entidade recebeu. Em 2014, o instituto captou R$ 7,88 milhões em doações. No ano anterior foram R$ 11,63 milhões. O balanço de 2015 ainda não foi fechado.

Gilson Silveira, diretor administrativo do IBCC, diz que o instituto deve reapresentar este ano o projeto não habilitado em 2015. "Tivemos parecer favorável a ele e acredito que teria sido considerado procedente", diz. A não inclusão na lista dos habilitados do ano passado, diz o diretor, é creditada à recessão e à redução da renúncia pelo governo.

Em relatório de gestão divulgado no mês passado, a Verde Asset Management, diz que, com as mudanças, a lei que estabelece o benefício permitindo dedução de IR para os dois programas existe "apenas para inglês ver". Além do teto estabelecido pela portaria interministerial ser considerado "extremamente baixo no total possível de ser doado", o relatório chama a atenção para a data de publicação dos limites. Em 2014 os limites de dedução, destaca o boletim, foram estabelecidos em 26 de maio, enquanto que em 2015 o teto, além de sofrer redução de aproximadamente 85%, foi publicado em 8 de dezembro.

"Dado que o dinheiro público é tão mal utilizado historicamente, por que impedir que os doadores apoiem projetos realmente bons e eficientes, por meio da pouquíssima renúncia fiscal que lhes é permitida, ao contrário do que o mundo inteiro faz?", questiona o fundo Verde, do gestor Luis Stuhlberger, no relatório, em item intitulado "Desabafo". "Ficamos muito surpresos, para não dizer chocados" ao ver que até a data da publicação no "Diário Oficial", diz o boletim, "quase a totalidade dos projetos de instituições renomadas e reconhecidas pela eficiência de seus trabalhos" havia sido indeferida pelo Ministério da Saúde. Entre as entidades citadas no boletim estão o Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graac) e o hospital Albert Einstein. Procuradas, as instituições não se manifestaram.

O Ministério da Saúde informou que as portarias com a aprovação dos projetos começaram a ser publicadas em dezembro do ano passado. O prazo para captação de recursos terminou no dia 31. Segundo o ministério a aprovação dos projetos só foi possível após a publicação da Portaria Interministerial 2.013, em 8 de dezembro. Os valores, diz nota enviada pelo Ministério da Saúde, foram definidos tendo em vista o cenário de ajuste fiscal pela área econômica do governo.

Ilan Gorin, sócio da Gorin Auditoria Contábil Fiscal, diz também que foi surpreendido com a restrição de valor global da portaria. O tributarista lembra que o benefício é relativamente novo, criado em 2012. O primeiro ciclo de projetados aprovados é de 2013.

Os incentivos passam por uma fase de maturação e demoram certo tempo para tornarem-se mais conhecidos e efetivamente usados, diz Gorin. A evolução dos limites refletiam isso, destaca ele. Em 2013, primeiro ano de funcionamento do incentivo, os dois programas somaram limite global de dedução de R$ 611,74 milhões. No ano seguinte, esse teto subiu para R$ 1,35 bilhão. Em 2015 a restrição fez o valor cair para R$ 180 milhões.

A restrição, conta Gorin, pegou as instituições de surpresa porque dois meses antes, em outubro do ano passado, o setor comemorou a prorrogação do benefício que, pela lei original, terminaria no ano passado. "O benefício foi estendido, mas não imaginamos que haveria uma limitação no valor." A Lei nº 13.169/2015, resultante da conversão da MP 675, prorrogou o benefício fiscal até 2020.

Gilson Silveira diz que as doações ao IBCC dentro do Pronon são especialmente importantes porque permitem investimentos. O projeto do instituto aprovado em 2015 prevê a aquisição de equipamentos para diagnósticos de câncer. "Os recursos arrecadados via SUS ou como resultado das consultas cobrem a manutenção da estrutura. As doações possibilitam renovação do parque tecnológico."

Silveira conta que o IBCC candidatou-se pela primeira vez ao Pronon em 2014. Naquele ano, diz ele, o projeto foi aprovado, mas a entidade não teve tempo hábil para conseguir doadores. Por isso a proposta foi reapresentada no ano passado. Além do Pronon, conta Silveira, o IBCC não participa de nenhum outro programa de benefício de IR.

O caso do instituto, diz Gorin, não é isolado. Na área da saúde, especificamente, esses dois programas são os incentivos fiscais que oferecem maior atrativo para potenciais doadores. "O Pronon e o Pronas representam custo zero para o doador", diz Gorin. Isso porque as doações são inteiramente dedutíveis do Imposto de Renda devido, desde que respeitado o limite.

A dedução pode ser feita até 1% do IR devido para cada um dos programas. Ou seja, no total, 2% do imposto pode ser abatido. O limite vale tanto para pessoas físicas ou empresas que pagam o imposto pelo lucro real. Na regra geral das doações, lembra o tributarista, o valor não é diretamente dedutível do IR. A doação serve como despesa para o cálculo do imposto. Isso significa que a operação tem custo de 66% do valor doado.


Créditos da Notícia: Marta Watanabe
Fonte: Valor Econômico

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