O uso do coquetel de drogas contra o HIV, o vírus causador da Aids, prolonga a vida dos pacientes de forma espetacular. Mas não lhes garante a cura. A razão reside no fato de que, mesmo que a concentração de vírus na corrente sanguínea seja reduzida a níveis indetectáveis, uma parte deles ainda está lá, no organismo, escondida no que os cientistas chamam de “esconderijos”. Trata-se de células localizadas em pontos como o cérebro nas quais o HIV permanece alojado, em estado latente e imune à ação dos medicamentos. A qualquer oportunidade, ele é reativado e inicia novamente sua cadeia de multiplicação. Destruir o vírus que está escondido, portanto, tornou-se um dos maiores desafios para vencer a doença definitivamente. No Brasil, um time de cientistas está somando vitórias nesse sentido. Depois de dois anos de pesquisa em animais, uma medicação desenvolvida pelos pesquisadores conseguiu tirar o HIV dos reservatórios, tornando-o finalmente vulnerável ao ataque das drogas antirretrovirais.
A façanha é de autoria do farmacêutico Luiz Francisco Pianowski, do Laboratório Kyolab, e do pesquisador Amílcar Tanuri, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os dois coordenam os trabalhos, que incluem a participação de cientistas do Hospital Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e do instituto Aurigon, na Alemanha. O relato do que foi obtido até agora está registrado em publicações científicas como a revista americana Plos One e o jornal “Aids”.
A peça-chave para o sucesso observado até aqui do remédio criado pelos brasileiros é seu princípio ativo. Ele é extraído da planta aveloz, de origem africana e cultivada em alguns estados do Nordeste. O composto e seus derivados semissintéticos demonstraram eficácia para deslocar o HIV “adormecido” das células que servem como seu esconderijo para o sangue. Os mecanismos que resultam nesse efeito não estão totalmente esclarecidos, mas o fato é que o vírus, antes latente, fica ativo novamente e cai na corrente sanguínea, onde é combatido pelos remédios que formam o coquetel.
O impacto foi constatado in vitro, em células de laboratório e também em células extraídas de pacientes com HIV. Depois, ficou evidenciado, em experimentos realizados com macacos Rhesus infectados pelo SIV, um tipo de vírus responsável por uma infecção extremamente parecida com a causada pelo HIV – por isso, é usado como modelo padrão de estudos em animais sobre a Aids. Já foram realizados quatro investigações usando as cobaias e uma quinta está em andamento. Em uma das pesquisas, dois macacos contaminados e não tratados receberam o remédio. Observou-se aumento da carga viral, mostrando que o vírus alojado nos reservatórios se deslocou para a corrente sanguínea.
Outro teste com os macacos foi mais longe. Dois animais infectados e tratados com os remédios receberam a medicação durante 30 dias. Depois de 21 dias, houve o registro da elevação da concentração de vírus no organismo, indicando que aqueles que estavam escondidos haviam ficado expostos. Após um mês, todo o tratamento foi suspenso, inclusive as drogas antirretrovirais. Depois da suspensão, a concentração viral permaneceu em níveis indetectáveis por 47 dias. “Nesse modelo, porém, o normal é que a carga viral volte a subir em menos de seis dias após a retirada dos antirretrovirais”, explica o pesquisador Tanuri. As investigações executadas nos Estados Unidos e na Alemanha revelaram ainda que o remédio consegue atuar inclusive nos reservatórios localizados no cérebro.
O momento atual da pesquisa – financiada pela Amazônia Fitomedicamentos – é crucial para o futuro do medicamento. “Nesse estudo com macacos, pretendemos estender a pesquisa até que zeremos os reservatórios virais”, informou o farmacêutico Pianowski. “Ficaria assim comprovada, em laboratório, a cura da doença”, afirma. Depois dessa etapa, planeja-se a realização de estudos clínicos, se possível ainda no próximo ano. “Já fizemos todos os estudos toxicológicos em cães e camundongos e dominamos a produção da molécula”, complementa o farmacêutico.
Na opinião do infectologista Edimilson Migowski, diretor-geral do Instituto de Pediatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o trabalho dos colegas brasileiros é realmente interessante. “Ele se encaixa em uma linha de abordagem contra a doença que busca a sua cura, e não apenas o controle da multiplicação do vírus, como fazem hoje os antirretrovirais”, afirma. “Mas é necessário lembrar que ainda é preciso muito mais estudo até que isso se torne uma realidade acessível”, ressalva.