A dona de casa Ana Maria Mora de Ávila toma diariamente quatro comprimidos de enalapril, medicamento indicado para controlar a hipertensão arterial. Todo mês, ela tem de retirar o remédio gratuitamente na Unidade de Saúde Ouvidor Pardinho, em Curitiba, mas, de tempos em tempos, ele desaparece da prateleira. O enalapril faz parte de uma lista de medicamentos que periodicamente escasseiam na rede pública. O rol é composto ainda por drogas prescritas para tratamento de toxoplasmose, sífilis, asma e controle de crises epilépticas. “Eu não sei porque falta. Nunca me disseram”, diz Ana Maria.
Pelo menos 12 medicamentos estão na lista dos mais difíceis de encontrar pela Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba e pelo Consórcio Paraná Saúde, que adquire remédios da atenção básica para 394 municípios do estado. A falta esporádica de fármacos é como uma doença difícil de curar, porque está atrelada a uma dinâmica de mercado complicada que inclui raros fabricantes, poucos distribuidores interessados em fornecer ao poder público e dificuldades da indústria em importar insumos para a fabricação.
O impacto é difícil de ser dimensionado, mas as autoridades de saúde pública estimam que a cada mês centenas de milhares de atendimentos no Paraná sejam prejudicados pela falta de medicamentos. A escassez sazonal acomete drogas cujo fornecimento é obrigação tanto dos municípios como do estado e da União. “A produção nacional não está organizada de forma a atender a demanda”, assinala a diretora-técnica do Consórcio Paraná Saúde, Mônica Cavichiolo Grochocki.
Os desaparecidos
Um dos fármacos que de vez em quando desaparece das prateleiras dos postos de saúde é a benzilpenicilina benzatinia (benzetacil), antibacteriano indicado para o tratamento da sífilis, entre outras enfermidades. Só em Curitiba, há mais de 580 pessoas diagnosticadas com a doença (entre sífilis congênita, em gestantes ou geral). Quando o remédio falta, os pacientes têm o tratamento alterado.
Hoje, apenas um laboratório no país produz o benzetacil e não dá conta de fornecê-lo regularmente a todos os estados. “Quando se tem um mercado com um único fornecedor, acaba se criando um cenário propício ao desabastecimento. Dá a entender que a motivação da indústria está pouco alinhada à demanda da saúde”, avalia o superintendente da Secretaria de Saúde de Curitiba, César Monte Serrat Titton.
O problema se estende a vários medicamentos, segundo o Consórcio Paraná Saúde e as secretarias estadual e municipais de Saúde. Na rede estadual ou nos hospitais do estado, vez ou outra faltam remédios como clindamicina (indicada para infecções respiratórias e de pele), vancomicina (infecções bacterianas) e diltiazem (hipertensão), além do próprio benzetacil. Neste mês, faltou formoterol + budesonida, usado por pacientes com asma.
Para a indústria farmacêutica, as regras das licitações realizadas pelo poder público para comprar remédios geram um círculo vicioso que acentua a falta desses itens em hospitais e postos de saúde. Os editais partem de preços em dólar. Segundo o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), os valores vêm sendo definidos com o dólar na casa de R$ 1,40 (cotação de 2011), quando hoje a moeda vale R$ 2,47.
“A indústria tem interesse em fabricar e vender, mas fica impraticável”, diz o presidente-executivo do Sindusfarma, Nelson Mussolini. Ele destaca ainda que as licitações preveem a participação do distribuidor, não do fabricante. Dessa forma, a distribuidora concorre mesmo sem ter garantias de que vai conseguir entregar os produtos.
“Os distribuidores entram nas licitações sem ter nem sequer uma carta da indústria que garanta o fornecimento. Por isso, mesmo que a licitação seja concluída não há garantias de que o produto vá chegar ao comprador”, diz Mussolini. “Precisaríamos mudar a estrutura dos editais. Os preços defasados e essa lógica em que as empresas vendem e depois vão buscar produto [para entregar] gera um círculo vicioso difícil de ser superado.”
Fonte: Gazeta do Povo