Um grupo de pesquisadores da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), no Rio, identificou uma variante de DNA em portadores do HIV que parece estar relacionada a uma maior capacidade de resistência ao vírus da Aids.
Conhecida como HLA-B*52, essa variante está presente com mais frequência entre os pacientes que ficam muito tempo sem apresentar sintomas da doença.
Mais especificamente, as pessoas que carregam essa variação genética têm chance duas vezes maior de serem classificadas como "não progressores de longo prazo" "" termo usado para definir aqueles cujo organismo é capaz de controlar o HIV sem auxílio de medicamentos por mais de dez anos (há pacientes que carregam o vírus faz mais de 30 anos e ainda se encaixam nesse grupo).
Segundo a bióloga Sylvia Teixeira, coautora do estudo publicado na revista científica "GenesImmunity", é importante ressaltar que se trata de uma associação estatística, e não de uma relação simples de causa e efeito. Os pacientes que carregam a variante não podem se considerar simplesmente "protegidos" da doença, lembra ela. "Também é preciso levar em conta características do vírus e todo o sistema biológico do indivíduo infectado", diz.
SISTEMA DE ALERTA
O gene HLA-B, no qual a variação foi encontrada em pacientes brasileiros, está entre os mais estudados pelos pesquisadores que buscam entender a relação entre as características genéticas humanas e a resistência ao HIV. Isso acontece porque esse gene contém a "receita" para a fabricação de uma molécula que é crucial quando o assunto é reagir a uma invasão do organismo.
Quando o vírus invade uma célula humana, por exemplo, essa molécula pode se ligar a um fragmento do parasita e expô-lo na superfície da célula. Isso funciona como um sinal de que o invasor está presente, recrutando células de defesa que podem destruir a célula infectada ou coordenando outras reações do corpo contra a infecção.
Os detalhes desse processo variam um bocado de pessoa para pessoa e de invasor para invasor "" os vários membros da "família" de genes HLA são extremamente variáveis em sua receita, provavelmente porque a seleção natural favorece essa variedade, já que ela dá ao organismo mais "cartas na manga" para enfrentar um vírus desconhecido, por exemplo.
Por outro lado, isso também significa que às vezes a pessoa não possui as armas corretas para enfrentar certos invasores. "Outro alelo variante, o B*35, é bem conhecido por estar associado à progressão rápida da Aids, provavelmente porque ele não é muito favorável à apresentação do antígeno viral o pedaço exposto do vírus para as células de defesa", conta Teixeira.
Diante desse quadro, a equipe da Fiocruz pôs-se à caça de associações estatísticas entre variantes do HLA-B e os vários tipos de resposta ao HIV. Eles começaram avaliando dados de cerca de 4.000 pacientes do Rio de Janeiro, mas acabaram analisando o DNA de 218 deles, cujos registros médicos eram precisos o suficiente para ter ideia clara da progressão da doença.
A partir dessa análise, surgiu a associação estatística entre a progressão tardia da Aids e o HLA-B*52. Os números deixam claro que não se trata de uma proteção "mágica". Entre os pacientes que desenvolvem a doença de forma rápida ou segundo a média dos soropositivos, cerca de 3% carregam essa variante; já entre os que demoram muito para sofrerem os efeitos do vírus, essa proporção é de 11% - bem mais comum, mas nem de longe algo que explique todos os casos.
Para Teixeira, entender como essa resistência funciona deve ajudar os pesquisadores a otimizarem futuras vacinas anti-HIV, por exemplo, imitando, de certa maneira, a resposta otimizada ao vírus montada pelo organismo das pessoas que demoram a desenvolver a doença.
Fonte: Folha de S.Paulo