Notícia: Sobre a Lei 13.201/2014 – Nota do CRF-PR

Publicado em 27 de ago. de 2014

Sobre a Lei 13.201/2014 – Nota do CRF-PR


Confira a nota emitida pelo Presidente do CRF-PR sobre a lei que muda o conceito de farmácias no Brasil
Sobre a Lei 13.201/2014 – Nota do CRF-PR

Foi sancionada pela Presidência da República e publicada a Lei nº 13.021/14 (Diário Oficial da União, 11/08/14, seção 1, pág. 3) que altera a Lei 5991/73 e muda o conceito e classificação de farmácias no Brasil: farmácias deixam de ser estabelecimentos de comércio para se transformar em unidades de prestação de assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária individual e coletiva. Quanto a sua natureza passam a ser classificadas como farmácias sem manipulação ou drogaria; farmácia com manipulação.

   As reflexões da Lei em comento são fontes de alegrias e decepções em seus aspectos positivos e negativos.

   Os aspectos positivos são ressaltados em seu artigo 5º “No âmbito da assistência farmacêutica, as farmácias de qualquer natureza requerem, obrigatoriamente, para seu funcionamento, a responsabilidade e a assistência técnica de farmacêutico habilitado na forma da lei”.

   Durante longo tempo, não foram poucos os aborrecimentos trazidos pelo artigo 15, § 1º e 2º da Lei 5991/73, em relação a expressão do técnico responsável , que resultou algumas decisões desfavoráveis do Poder Judiciário  para os farmacêuticos. Desta forma, a nova Lei não deixa dúvidas a respeito de quem pode assumir a responsabilidade e assistência técnica por farmácias e drogarias de qualquer natureza.

   Outro aspecto positivo da Lei aprovada são as condições de funcionamento de farmácias de qualquer natureza que ao dispor sobre a autorização, licença e a obrigatoriedade do farmacêutico durante todo o horário de funcionamento do estabelecimento, permite a presença de imunobiológicos, vacinas e soros de interesse epidemiológico, além de contar com equipamentos e acessórios regulados pela vigilância sanitária.

   Além disso, as mesmas condições são aplicadas às farmácias não privativas (aquelas que não pertencem a particulares), em relação a instalações, equipamentos, direção e desempenho técnico de farmacêuticos, assim como ao registro em Conselho Regional de Farmácia. É necessário observar que pode ser responsável técnico por farmácia e drogaria o farmacêutico que: 1. For o único proprietário de tal estabelecimento; 2. For sócio de sociedade mercantil proprietária da farmácia; 3. For empregado ou prestador de serviços ao empresário da farmácia.

   As definições das obrigações e responsabilidade do farmacêutico, inscrita nos artigos 13º , incisos I,II, III, IV, V e VII e artigo 14º  são gratificantes e positivas para o exercício da atividades profissional.
   De outro lado, louve-se a obrigação de responsabilidade solidária do farmacêutico e o proprietário dos estabelecimentos farmacêuticos, incluindo as obrigações do proprietário em relação as atividades do farmacêutico em relação as condições de seu trabalho e não interferência em quesitos técnico e científico (ver artigos 10º , 11º § único).
 
   O aspecto negativo é o veto ao artigo 9º que é de uma infelicidade extrema, pois abre a perspectiva de venda de medicamentos em outros locais por projetos de lei do Congresso Nacional, por iniciativa de deputados ou senadores. Tais proposições vêm sendo reiteradas desde 1995 e continuaram em todas as legislaturas até hoje, que se torna prejudicial para o microempreendedor, sobretudo, o farmacêutico proprietário. O veto é uma derrota lamentável sobre todos os aspectos.

   O veto do artigo 15º é outro aspecto lastimável e um risco para a fiscalização de farmácias, em contrariedade ao Decreto no 85.878, de 7 de abril de 1981 (artigo1o inciso III), pois não definir que seja realizado por um farmacêutico, que é o profissional da área vai afetar a qualidade das fiscalizações e inspeções por outros profissionais de outras áreas. As razões do veto não deixam dúvidas sobre os interesses do poder econômico e a má intenção quanto a sua justificativa.

   O aspecto negativo mais sofrido e uma derrota imensa para todos é o veto ao artigo 17º em relação a obrigatoriedade de postos de medicamentos, os dispensários de medicamentos e as unidades volantes se transformarem em farmácias sob a responsabilidade e assistência de  farmacêuticos. Foram anos de lutas contra os grupos patronais que continuarão na Justiça, além das questões de desorganização do setor.

 O veto ao artigo 17º, aliado à manutenção da figura da drogaria não deixa dúvidas da influência do poder econômico particular, dos municípios e estados para que tudo permaneça como é hoje: ineficiente e desorganizado.

  O veto a questão do dispensário de medicamentos é decepcionante para os Conselhos Regionais de Farmácia. O direito dos farmacêuticos à preservação de seu âmbito de atuação profissional não pode ser objeto de interpretação vacilante, e é o mais grave, de norma inexistente. É o que se observa no artigo 19 da lei nº 5.991/73: “Não dependerão de assistência técnica e responsabilidade profissional o posto de medicamentos, a unidade volante e o supermercado, o armazém e o empório, a loja de conveniência e a "drugstore". (Redação dada pela Lei nº 9.069 de 1995)”. O legislador não cita o dispensário de medicamentos como isento de responsabilidade técnica de farmacêutico, muito menos estabelece o que é pequena, média e grande unidade hospitalar em relação a essa assistência técnica.

   A etimologia da palavra dispensário de medicamentos é um dos principais problemas do empréstimo inglês em português e sua aceitação por motivação ou condições extralinguísticas: o poder público dominado pelo poder econômico. Neste caso, há uma contradição insanável na influência do inglês, o dispensário, em inglês dispensary, é uma farmácia de hospital para fornecimento de remédios para tratamento médico de pacientes. Tem, também, o significado de estabelecimento de beneficência onde se cuida gratuitamente dos doentes pobres. A palavra, mais próxima em português, é dispensatory, local onde se dispensa medicamentos.  

    Concomitante à publicação da Lei 13.021/14, a Presidente da República fez inserir, por meio da medida provisória 653/14, parágrafo único ao artigo 6º da nova lei remetendo às farmácias e drogarias enquadradas nos conceitos de Empresa de Pequeno Porte e Micro empresa as disposições do artigo 15 da Lei 5.991/73 (Diário Oficial da União de 11/08/2014, Seção 1, pág.4).

   De forma precipitada e totalmente equivocada, está sendo divulgado por meios de comunicação oficiais (http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/INDUSTRIA-E-COMERCIO/472819-MP-DISPENSA-OBRIGACAO-DE-FARMACEUTICO-EM-DROGARIAS-ENQUADRADAS-NO-SUPERSIMPLES.html) que as farmácias e drogarias enquadradas naquelas definições estariam dispensadas de comprovarem a assistência técnica por farmacêutico e autorizadas a manterem à frente de suas atividades um profissional de nível técnico.

   Pelo bem da segurança jurídica e também com a finalidade de não gerar falsas expectativas às categorias mencionadas, é imperioso esclarecer que a Medida Provisória 653/14 ao remeter as farmácias e drogarias ao artigo 15 da Lei 5.991/73 em nada alterou o atual panorama da regra geral da exigência de responsabilidade técnica por farmacêutico.

   O artigo 15 da Lei 5.991/73 determina que a farmácia e a drogaria tenha, obrigatoriamente, a assistência de técnico responsável, inscrito no Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei.

   O técnico responsável a que se refere o dispositivo não se trata do profissional formado em curso profissionalizante e sim do farmacêutico inscrito no Conselho Regional de Farmácia. Tal conclusão pode ser extraída do texto do parágrafo terceiro do mesmo dispositivo legal que prevê a exceção à regra geral definida no caput, e assim determina: Em razão do interesse público, caracterizada a necessidade da existência de farmácia ou drogaria, e na falta do farmacêutico, o órgão sanitário de fiscalização local licenciará os estabelecimentos sob a responsabilidade técnica de prático de farmácia, oficial de farmácia ou outro, igualmente inscrito no Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei.

   Se por um lado o caput do artigo 15 da Lei 5.991/73 não menciona em momento algum o grau de formação do técnico responsável, o parágrafo terceiro é expresso ao determinar que não será o FARMACÊUTICO apenas nas hipóteses de legítimo interesse público caracterizada pela falta desse profissional de grau superior em determinada localidade, a ser apurada pelo Órgão de Vigilância Sanitária local.

   Portanto a partir da vigência da Medida Provisória em questão a situação da responsabilidade técnica por farmácias e drogarias em nada será alterada da forma como hoje é exigida, sendo certo que a possibilidade de profissional de nível médio assumir a responsabilidade técnica por farmácia ou drogaria está restrita a hipótese de inexistência de farmacêutico na localidade.

   Hoje, é difícil não pensar no personagem principal de “Il Gattopardo” de Lampedusa quando se fala em alterações formais da legislação sanitária da política farmacêutica nacional: “Se quisermos que tudo permaneça como está, basta simularmos que tudo muda”. É o caso das autoridades públicas que recorrem a esse ensinamento, com frequência, para justiçar as decisões irregulares ou erradas. Para Jean Jacques Rousseau “Tudo é absurdo, mas nada é chocante, porque todos se acostumam a tudo”.


Dr. Arnaldo Zubioli
Presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado do Paraná (CRF-PR)



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