Ainda que não tenha sido oficialmente convidado para participar da audiência pública sobre a possível ampliação das exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a venda de medicamentos, nas farmácias e drogarias, realizada, no último dia 31 de maio pela Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), na Câmara dos Deputados, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) esteve presente, representado pelos assessores técnicos Cláudia Serafin, Jarbas Tomazzoli Nunes e José Luis Maldonado. Durante os debates, os representantes do CFF puderam se manifestar e tiveram a oportunidade de ler o documento com a posição institucional do CFF (Ver íntegra do documento, abaixo). O referido documento também foi entregue ao Deputado Geraldo Thadeu (PSD/MG), integrante da CSSF e um dos propositores do debate.
POSIÇÃO INSTITUCIONAL DO CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA
A Constituição Federal de 1988 preceitua a atuação do Estado brasileiro para a consecução do bem-estar social e da plena cidadania, instituindo no ordenamento jurídico determinados direitos sociais, como o direito à saúde e à educação, direcionando a atuação do Estado para garanti-los.
A Organização Mundial da (OMS) conceitua assim a Saúde: "um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a simples ausência de doenças e outros danos".
No Brasil, tanto a Constituição Federal como a Lei Federal nº. 8.080/90 definem o objeto do direito à saúde como um direito universal que deve ser garantido pelo Estado.
O Sistema Único de Saúde (SUS), institucionalizado pela Lei nº. 8.080/90 possui como princípios a universalidade de acesso aos serviços de saúde e a integralidade da assistência, cabendo a ele a execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.
A Portaria nº 3.916/98, do Ministério da Saúde, que estabelece a Política Nacional de Medicamentos, tem como propósito garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais. O direito à assistência farmacêutica, como parte integrante do direito social à saúde, também é instituído no ordenamento jurídico como um direito social. De acordo com os artigos 6º e 7º da Lei Orgânica da Saúde, a assistência terapêutica e farmacêutica deve ser garantida integralmente aos cidadãos brasileiros, de acordo com o princípio da integralidade de assistência.
Assim, a assistência farmacêutica constitui parte fundamental dos serviços de atenção à saúde do cidadão. Em muitos casos, a estratégia terapêutica para recuperação do paciente ou para redução dos riscos da doença e agravos somente é possível a partir da utilização de algum tipo de medicamento. Nessas situações, o medicamento é elemento essencial para a efetividade do processo de atenção à saúde.
A OMS estima que, no mundo, mais da metade de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou vendidos inapropriadamente, e que metade dos pacientes não os utilizam corretamente. Portanto, é gasto muito dinheiro que, ao invés de benefícios, pode trazer sérios riscos à saúde.
Quando o medicamento é usado indiscriminadamente ou sem nenhum critério técnico, dizemos que se trata de uso irracional, que é um importante problema de saúde pública. Portanto, é preciso considerar o potencial de contribuição do farmacêutico e efetivamente incorporá-lo às equipes de saúde, a fim de que se garanta a melhoria da utilização dos medicamentos, com redução dos riscos de morbimortalidade, e que seu trabalho proporcione meios para que os custos relacionados à farmacoterapia sejam os menores possíveis para a sociedade e para o Estado.
A assistência farmacêutica tem, entre suas premissas, a utilização dos medicamentos, por meio da prescrição, dispensação e uso, como define o Uso Racional de Medicamentos (URM), entendido como um conjunto de práticas que inclui:
- A escolha terapêutica medicamentosa adequada;
- A indicação apropriada deste medicamento;
- A inexistência de contraindicação;
- A mínima probabilidade de reações adversas;
- A dispensação correta, incluindo informação apropriada sobre os medicamentos prescritos;
- Adesão ao tratamento pelo paciente;
- Seguimento dos efeitos desejados e de eventuais reações adversas consequentes do tratamento.
Por meio de estratégias simples e de baixo custo, é possível, sim, promover o uso racional de medicamentos, sendo fundamental o papel do farmacêutico, seja na orientação durante a dispensação, seja educando a comunidade sobre o uso de medicamentos.
Todos os profissionais da saúde têm o dever de cumprir o ordenamento jurídico, como o Código de Defesa do Consumidor que garante como direitos básicos do consumidor:
Art. 6º.
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços.
Feitas as considerações sobre a importância do uso racional de medicamentos e a sua prática crescente no Brasil, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) defende as medidas já implementadas pela Anvisa, posto que vão ao encontro do direito não apenas ao acesso aos medicamentos, mas também, ao seu uso racional.
Assim como foi instituída a retenção de receituário médico nas farmácias e drogarias para os medicamentos antimicrobianos, o CFF observa a necessidade de se aprimorar o controle da dispensação de medicamentos que requerem prescrição médica.
O CFF não tem, ainda, opinião definitiva se a retenção de receituário para os demais medicamentos sujeitos à prescrição seria a melhor medida a ser adotada pela Anvisa. Sabe-se, com absoluta certeza, que o controle da dispensação desses medicamentos deve ser mais rigoroso.
Há de se atentar que a venda de medicamentos sujeitos à prescrição médica sem o devido receituário configura uma infração sanitária. O inciso XII do artigo 10 da Lei nº. 6.437, de 20 de agosto de 1.977, estabelece que seja uma infração sanitária fornecer, vender ou praticar atos de comércio em relação a medicamentos, drogas e correlatos cuja venda e uso dependam de prescrição médica, sem observância dessa exigência e contrariando as normas legais e regulamentares. Estabelece, também, para esses casos, a pena de advertência, interdição, cancelamento da licença, e/ou multa. O CFF defende, então, que se cumpra efetivamente a legislação vigente e apoia todas as medidas sanitárias que vão ao encontro do que estabelece a lei.
Qualquer medida que venha a ser adotada pela Anvisa de modo a favorecer o uso racional dos medicamentos - a exemplo do que já ocorre com os antimicrobianos -, terá o apoio irrestrito e incondicional do CFF.
O CFF enfatiza, ainda, a importância de os estados e municípios brasileiros oferecerem as condições necessárias para o fortalecimento das suas respectivas vigilâncias sanitárias, de modo a favorecer o fiel cumprimento dos dispositivos legais, tendo em vista que representam, localmente, o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária.
Por outro lado, o CFF manifesta, neste momento, sua preocupação com os medicamentos isentos de prescrição (MIPs) e com as iniciativas voltadas para uma maior liberalização no comércio desses medicamentos.
Uma primeira vitória foi obtida com o Veto Presidencial ao artigo 8º. da Medida Provisória nº. 549-B/2.011, que autorizava a comercialização de medicamentos isentos de prescrição (MIPs), em supermercados, armazéns, empórios e lojas de conveniência. Este ato da Presidenta Dilma Roussef atendeu aos anseios da maioria dos cidadãos brasileiros e de todas as políticas públicas instituídas pelo atual Governo na área da saúde, em especial as que buscam organizar e promover a assistência farmacêutica nos setores público e privado. Cabe enfatizar que o CFF esteve sempre unido às entidades representantes do comércio farmacêutico , como a Abrafarma, na defesa intransigente desse veto.
Uma segunda medida diz respeito à Consulta Pública Anvisa nº. 27, de 12 de abril de 2.012, que propõe a revogação da Instrução Normativa (IN) nº. 10, de 17 de agosto de 2.009, que autoriza os medicamentos isentos de prescrição a permanecerem ao alcance dos usuários para obtenção por meio de autosserviço no estabelecimento (farmácias e drogarias).
O CFF manifesta sua extrema preocupação, por entender que revogar a IN nº. 10/09 constitui um retrocesso. Voltar à situação anterior à publicação da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) Anvisa nº. 44, de 17 de agosto de 2.009 - que instituiu as Boas Práticas de Farmácia -, é ir de encontro às estratégias voltadas ao uso racional de medicamentos. Como é possível compreender que, decorridos menos de 15 (quinze dias) do Veto Presidencial ao artigo 8º da Medida Provisória nº. 549-B/2011, corramos o risco de os MIPs voltarem às gôndolas das farmácias e drogarias? O CFF reitera, neste ato, sua mais veemente discordância à proposta da Anvisa.
Por fim, o CFF evoca que se o direito à saúde é um preceito constitucional e se este direito, como garante a Lei Orgânica da Saúde, é integral, universal e com equidade, que garante inclusive o direito à assistência farmacêutica; e, se a assistência farmacêutica tem como premissa também o uso racional de medicamentos, então, fica fácil de inferir, com absoluta segurança e convencimento, que a sociedade tem direito a uma assistência farmacêutica plena e à prática do acesso a medicamentos e o seu uso racional.
WALTER DA SILVA JORGE JOÃO
Presidente do CFF